mulher formosa, tanto devia reparar nos amigos que metia em casa, como ter tento nas amigas com quem sua mulher se dava, porque, muita coisa que se não faz nem se ajusta nas praças, nem nas igrejas, nem nas festas públicas e ajuntamentos semelhantes, muitas vezes concedíveis pelos maridos a suas mulheres, muita coisa de contrabando se conchava ou facilita em casa da amiga ou parenta em que há mais confiança.
Mais dizia Lotário ser necessário aos casados ter cada um deles algum amigo que lhe notasse os descuidos que no seu proceder se pudessem dar, porque às vezes acontece, em razão do muito amor do marido para com a mulher, ou não dar por certas coisas, ou não lhas dizer (para não magoá-la) que as faça ou as deixe de fazer, podendo umas e outras ser todavia importantes para o crédito ou descrédito de ambos eles; advertido assim pelo amigo, já o consorte poderia pôr cobro a tempo a não poucos males.
Mas onde se achará amigo tão discreto e leal como Lotário aqui o pinta? eu por mim não sei; desse feitio não vejo outro senão o próprio Lotário, quando tão cauteloso está atentando pela honra do seu amigo, e procurando ainda dizimar, aguarentar e diminuir os dias aprazados para as visitas, para não darem que falar aos ociosos e aos mirões vadios e praguentos, tantas entradas de um moço rico, gentil-homem, de claro nascimento e de tantas prendas como ele entendia possuir, na casa de uma dama tão formosa como Camila. Suposto com a bondade e força própria pudesse Camila pôr freio a todas as murmurações, contudo não queria ele nem por sombras pôr em dúvidas nem o seu crédito, nem o dela, nem o do amigo. Por isso os mais dos dias da combinação os ocupava e entrelinha noutras coisas que dava a entender serem-lhe impreteríveis, por modo que em suma, em queixas de um e desculpas do outro, se passavam por vezes horas de cada dia.