Introduziram D. Quixote numa sala, desarmou-o Sancho, e o nosso herói ficou de calças à walona e gibão de camurça todo besuntado com a ferrugem das suas armas velhas; cabeção singelo à moda dos estudantes, borzeguins amarelos e sapatos engraxados. Cingiu a sua boa espada, que lhe pendia de um talim de pele de lobo marinho, e pôs aos ombros uma capa de bom pano pardo; mas, antes de tudo, lavou-se em cinco ou seis alguidares de água, e a última ainda ficou da cor do soro, graças à guloseima de Sancho, e à compra dos seus negros requeijões, que tão branco puseram a seu amo. Com os referidos atavios, e com gentil donaire e presença, saiu D. Quixote para a sala onde o estudante o estava esperando para o entreter, enquanto se punha a mesa; que, pela vinda de tão nobre hóspede, queria a senhora D. Cristina mostrar que sabia e podia regalar os que entrassem em sua casa. Enquanto D. Quixote se esteve desarmando, teve D. Lourenço (que assim se chamava o filho de D. Diogo) ocasião de perguntar a seu pai:
— Quem é este cavaleiro, senhor, que Vossa Mercê nos trouxe a casa, que o nome, a figura, e o dizer que é cavaleiro andante, nos tem suspensos a minha mãe e a mim?
— Não sei como te responda, filho — redarguiu D. Diogo; — o que te sei dizer é que o vi fazer grandes coisas de grande doido, e dizer coisas tão discretas que apagam e destroem os seus atos; fala-lhe tu e toma o pulso ao que sabe, e, já que és discreto, avalia a sua discrição ou a sua loucura, que eu, a dizer a verdade, mais o tenho na conta de doido que de ajuizado.
Com isto, foi D. Lourenço entreter D. Quixote, como já se disse, e entre outras práticas que os dois tiveram, disse D. Quixote para D. Lourenço:
— O senhor D. Diogo de Miranda, pai de Vossa Mercê, deu-me notícia da rara habilidade e sutil engenho que Vossa Mercê tem; e, sobretudo, de que é um grande poeta.