— Se não vos gabásseis mais de saber manejar a espada preta do que a língua — acudiu o outro estudante — seríeis o primeiro nos atos, em vez de terdes sido o último.
— Olhai, bacharel — respondeu o licenciado — que tendes erradíssima opinião a respeito da destreza na espada, supondo-a prenda inútil.
— Não é opinião, é verdade assente — redarguiu o bacharel, e se chamava Corchuelo — e se quereis que vo-lo mostre com a experiência, trazeis espada, o sítio é cômodo, eu tenho pulso e força, que, juntos ao meu ânimo, que não é pouco, vos farão confessar que me não engano. Apeaivos e usai dos vossos círculos, dos vossos ângulos e da vossa ciência, que eu conto fazer-vos ver estrelas ao meio-dia, com a minha destreza, e espero em Deus que ainda esteja para nascer o homem que me faça voltar as costas, e que não há ninguém que eu não deite ao chão.
— Lá nisso de voltar costas não me meto — redarguiu o esgrimidor — mas o que pode suceder é que, onde puserdes o pé, vos cavem a sepultura.
— Vamos a ver isso — respondeu Corchuelo.
E, apeando-se com presteza do burro, tirou com fúria uma das espadas que o licenciado levava.
— Não há-de ser assim — acudiu D. Quixote — que eu quero ser mestre desta esgrima e juiz desta questão, há muito tempo pendente.
E apeando-se de Rocinante e agarrando na lança, pôs-se no meio do caminho, quando já o licenciado, com gentil donaire de corpo, e em posição de esgrima, ia contra Corchuelo, que veio para ele, lançando, como se diz, chamas pelos olhos. Os outros dois lavradores que iam na companhia, sem se apearem dos jericos serviam de espectadores da mortal tragédia. As estocadas e cutiladas de Corchuelo eram inúmeras; pareciam um granizo de golpes. Arremetia como um leão furioso, mas saía-lhe ao encontro o licenciado com a ponta embolada do florete, fazendo-lha beijar como se fosse relíquia, porém com menos devoção.