— Agora digo — tornou o dono — que em zurrar sois um asno perfeito, porque nunca ouvi na minha vida coisa mais própria.
— Esses louvores e encarecimentos — respondeu o inventor da traça — melhor vos cabem a vós do que a mim, compadre; que, pelo Deus que me criou, podeis dar dois zurros de partido ao maior e mais perito zurrador deste mundo; porque o som que tendes é alto, o sustenido da voz a tempo e compasso, os zurros muito encadeados, e, enfim, dou-me por vencido, entrego-vos a palma, e a bandeira desta rara habilidade.
— Agora digo — respondeu o dono — que me terei em maior conta daqui por diante, e entenderei que valho mais alguma coisa, porque, ainda que sempre supus que zurrava bem, nunca pensei que chegasse ao extremo que alegais.
— Também direi agora — acudiu o outro — que há habilidades raras perdidas no mundo, e que são mal empregadas nos que não sabem aproveitá-las.
— As nossas — respondeu o dono — a não ser no caso que temos entre as mãos, para nada nos podem servir, e ainda neste, praza a Deus que nos aproveitem.
Dito isto, tornaram a separar-se e a zurrar outra vez, e a cada instante se enganavam, e corriam um para o outro, até que combinaram, que para entender que eram eles e não o burro, zurrassem duas vezes, uma atrás da outra. Com isto, dobrando a cada passo os zurros, rodearam todo o monte, sem que o perdido jumento respondesse nem por sombras. Mas como havia de responder o pobre e malogrado animal, se o encontraram no sítio mais recôndito do monte, comido por lobos? E, ao vê-lo, disse o dono:
— Eu já me espantava de que ele não respondesse, pois, a não estar morto, ou zurraria se nos ouvisse, ou não seria burro: mas, a troco de vos ter ouvido zurrar com tanta graça, compadre, dou por bem empregado o trabalho que tive em procurá-lo, apesar de o ter encontrado morto.