Vendo e ouvindo tanta mourisma e tanto estrondo, D. Quixote entendeu que era bem dar auxílio aos que fugiam e, pondo-se em pé, disse:
— Não consentirei eu que nos meus dias, e diante de mim, se faça violência a tão famoso cavaleiro e a tão atrevido enamorado, como foi D. Gaifeiros; detende-vos torpe canalha, não o sigais nem o persigais, senão comigo vos havereis.
E, dizendo e fazendo, desembainhou a espada, num momento se aproximou do retábulo e, com acelerada e nunca vista fúria, começou a descarregar cutiladas sobre a mourisma titereira, derribando uns, descabeçando outros, estropiando este, destroçando aquele e, entre muitas outras, atirou uma cutilada de alto a baixo, que, se mestre Pedro se não encolhe e acachapa, cerceava-lhe a cabeça, com mais facilidade do que se fosse de maçapão.
Gritava mestre Pedro, dizendo:
— Detenha-se Vossa Mercê, senhor D. Quixote, e advirta que esses que derriba, destroça e mata, não são verdadeiros mouros.
Mas nem por isso D. Quixote deixava de amiudar as cutiladas, talhos e reveses, que pareciam uma saraivada.
Finalmente, em menos de dois credos, deu com todo o retábulo no chão, com todas as figuras e pertences escavacados, o rei Marsílio mal ferido e o imperador Carlos Magno com a coroa partida e a cabeça rachada de meio a meio.
Alvorotou-se o senado dos ouvintes, fugiu para os telhados da venda o macaco; assustou-se o guia, acobardou-se o pajem e o próprio Sancho Pança teve grandíssimo pavor, porque, como jurou depois de passada a borrasca, nunca vira seu amo com tão desatinada cólera.
Acabado o destroço geral do retábulo de mestre Pedro, sossegou um pouco D. Quixote, e disse:
— O que eu queria era ter agora na minha presença todos os que supõem que não servem de nada no mundo os cavaleiros andantes: vejam se eu aqui não estivesse presente, o que seria do bom D.