— E o autor o que resolve? — perguntou D. Quixote.
— Que em encontrando a história, que procura com extraordinária diligência, logo a dará à estampa, levado mais pelo interesse, que disso lhe resulta, do que pela esperança de quaisquer louvores.
— Ao dinheiro e ao interesse mira o autor — disse Sancho; — será maravilha que acerte, porque não fará senão alinhavar, alinhavar, como alfaiate em véspera da Páscoa, e obras aldrabadas à pressa nunca se acabam com a perfeição que requerem. Veja o que faz esse senhor mouro, ou quem é, que eu e meu amo lhe daremos tanta obra em matéria de aventuras e de sucessos diferentes, que possa compor não só segunda parte, mas mais cem. Deve pensar o bom do homem, sem dúvida, que estamos a dormir; pois venha bater-nos os cravos na ferradura, e verá se temos cócegas. O que sei dizer é que, se meu amo tomasse o meu conselho, já devíamos de estar por esses campos, desfazendo agravos e tortos, como é uso e costume dos bons cavaleiros andantes.
Ainda Sancho não acabara bem de dizer estas razões, quando chegaram aos seus ouvidos relinchos de Rocinante, o que tomou D. Quixote por felicíssimo agouro, e resolveu fazer daí a três ou quatro dias outra saída; declarando o seu intento ao bacharel, pediu-lhe que lhe aconselhasse por onde havia de começar a sua jornada, e o bacharel respondeu-lhe que era de parecer que fosse ao reino de Aragão, à cidade de Saragoça, onde, daí a poucos dias, se haviam de fazer umas soleníssimas justas para a festa de S. Jorge, nas quais poderia ganhar fama sobre todos os cavaleiros aragoneses, que seria ganhá-la sobre todos os cavaleiros do mundo.