— Basta que Deus me entenda, mulher — respondeu Sancho — que ele é que é o entendedor de tudo, e fiquemos por aqui, e olha que é necessário que tenhas conta por estes três dias, no ruço, de modo que esteja pronto a pegar em armas. Dobra-lhe a ração, arranja-lhe a albarda, e o resto do aparelho, porque nós não vamos a bodas, mas a dar volta ao mundo, e a ter dares e tomares com gigantes, endríagos e outras aventesmas, e a ouvir silvos, rugidos, e bramidos e o diabo a quatro, e ainda tudo isto seria pão com mel, se não tivéssemos que entender com arrieiros e mouros encantados.
— O que eu creio, marido — replicou Teresa — é que os escudeiros andantes não comem debalde o pão, e assim cá ficarei, rogando a Deus Nosso Senhor que depressa te livre de tanta má ventura.
— Eu te digo, mulher — respondeu Sancho — que, se não pensasse ver-me em pouco tempo governador de uma ilha, cairia aqui morto.
— Isso não, marido — disse Teresa — viva a galinha com a sua pevide; vive tu e leve o diabo quantos governos houver por esse mundo; sem governo saíste do ventre de tua mãe, sem governo viveste até agora, e sem governo irás ou te levarão à sepultura, quando Deus for servido; vivem muitos por esse mundo sem governo, e nem por isso deixam de viver e de ser contados no número das gentes. Não há melhor mostarda do que a fome, e, como esta não falta aos pobres, sempre comem com gosto. Mas olha, Sancho, se porventura te vires com algum governo, não te esqueças de mim nem dos teus filhos. Lembra-te que o Sanchito já tem quinze anos feitos, e precisa de ir à escola, visto que o tio abade quer fazer dele homem da igreja. Vê também que tua filha Maria Sancha não desgostará que a casemos, porque vou tendo uns barruntos de que ela deseja tanto ter um marido, como tu desejas ter um governo; e enfim, melhor parece filha mal casada que bem amancebada.