Finalmente, prometeu ele ser meu esposo e eu dei-lhe palavra de ser sua, sem que em obras fôssemos adiante. Soube ontem que ele, esquecido do que me devia, ia casar com outra e que esta manhã a desposava, notícia que me turbou os sentidos e me deu cabo da paciência; e por meu pai não estar no lugar, tive eu de me vestir com este fato, e, metendo o cavalo a galope, alcancei D. Vicente daqui a coisa duma légua e, sem começar a fazer queixas nem a ouvir desculpas, disparei sobre ele esta escopeta e mais estas duas pistolas, e parece-me que lhe meti mais de duas balas no corpo, abrindo-lhe portas por onde saísse a minha honra, envolta no seu sangue. Ali o deixei nas mãos de seus criados, que não ousaram nem puderam defendê-lo, e venho rogar-te que me passes para França, onde tenho parentes com que viva, e também pedir-te que defendas meu pai, para que os muitos parentes de D. Vicente se não atrevam a tirar dele vingança.
Roque, admirado da galhardia, boa figura e aventurosa índole da formosíssima Cláudia, disse-lhe:
— Vinde, senhora; vamos ver se morreu o teu inimigo e depois veremos o que mais vos convirá.
D. Quixote, que escutara o que Cláudia dissera e o que Roque respondera, observou:
— Não precisa de se incomodar em defender esta senhora, que tomo eu isso a meu cargo: dê-me o meu cavalo e as minhas armas, que eu irei em busca desse cavalheiro, e, morto ou vivo, o obrigarei a cumprir a promessa que fez a tanta formosura.
— Ninguém duvide disto — disse Sancho — porque meu amo tem muita boa mão para casamenteiro; ainda não há muitos dias que obrigou a casar um, que também faltou à palavra que a outra donzela dera; e, se não fossem os nigromantes terem mudado a verdadeira figura do moço na dum lacaio, já a estas horas a tal donzela o não seria.