E mostrou-lhe um dos mais belos e galhardos moços, que pode pintar a imaginação humana. A idade não parecia chegar aos vinte anos. Perguntou-lhe o capitão-mor:
— Diz-me, perro mal aconselhado: quem te levou a matar os meus soldados, se vias que era impossível escapares-te? É assim que se respeitam as capitanias? Não sabes que não é valentia a temeridade? As esperanças duvidosas devem fazer os homens atrevidos, mas não temerários.
Queria o arrais responder, mas não pôde o capitão-mor ouvir então a sua resposta, porque teve de acudir a receber o vice-rei que já entrava na galé e, com ele, entraram alguns dos seus criados e algumas pessoas do povo.
— Boa caça, senhor capitão-mor — disse o vice-rei.
— E tão boa — respondeu o capitão-mor — como Vossa Excelência vai ver, que não tardo a pendurar-lha na verga.
— Como assim? — perguntou o vice-rei.
— É porque me mataram — tornou o capitão-mor — contra toda a razão, contra toda a lei, uso e costume da guerra, dois soldados dos melhores que vinham nestas galés, e jurei enforcar todos os que aprisionasse — principalmente este moço, que é o arrais do bergantim.
E mostrou-lhe o rapaz, que estava já de mãos atadas e corda na garganta, esperando a morte. Olhou o vice-rei para ele e, vendo-o tão formoso, tão galhardo e tão humilde, e compadecendo-se da sua formosura, desejou evitar-lhe a morte, e perguntou-lhe:
— Diz-me, arrais: és turco de nação, mouro ou renegado?
— Nem sou turco de nação, nem mouro, nem renegado — respondeu o arrais.
— Então o que és? — redarguiu o vice-rei.
— Mulher cristã — tornou o mancebo.
— Mulher! e cristã! com tal trajo e em tal situação! É coisa mais para se admirar do que para se acreditar.
— Suspendei, senhores — disse o moço — a execução da minha morte, que não se perderá muito em se dilatar a vossa vingança, enquanto eu vos conto a minha vida.