escudeiro de um cavaleiro andante; mas não permita o céu que em proveito meu decapite e quebre a coluna das letras e o vaso das ciências, e corte a eminente palma das boas artes liberais: fique-se o novo Sansão na sua pátria, e, honrando-a, honre juntamente as cãs de seus velhos pais, que eu com qualquer escudeiro ficarei satisfeito, e já que Sancho se não digna vir comigo...
— Digno, sim — respondeu Sancho, enternecido e com os olhos cheios de lágrimas.
E prosseguiu:
— Não se dirá de mim: comida feita, companhia desfeita; que eu não descendo de gente desagradecida, e sabe todo o mundo, e especialmente a minha terra, quem foram os Panças meus ascendentes, tanto mais que tenho conhecido, por boas palavras, o desejo que Vossa Mercê tem de me agraciar, e se estive com contas de tantos e quantos a respeito do meu salário, foi por comprazer com minha mulher, que, em se lhe metendo na cabeça persuadir uma coisa, não há cunha que tanto aperte uma tranca, como ela aperta para que se faça o que deseja; mas, efetivamente, um homem é um homem, e um gato é um bicho, e se eu sou homem em toda a parte, hei-de o ser também em minha casa, pese a quem pesar, e assim não há mais que fazer, senão ordenar Vossa Mercê o seu testamento com o seu codicilo, de forma que não possa ser revolcado, e ponhamo-nos a caminho, para que não padeça a alma do senhor Sansão, que diz que a sua consciência lhe lita persuadir a Vossa Mercê que saia pela terceira vez por esse mundo, e eu de novo me ofereço a servi-lo fiel e lealmente, tão bem e melhor do que quantos escudeiros serviram a cavaleiros andantes, em tempos passados e presentes.
Ficou admirado o bacharel de ouvir os termos e modo de falar de Sancho Pança, pois, apesar de ter lido a primeira