Sancho, que viu o perigo em que estava seu amo de ser deitado ao chão, apeou-se do ruço e foi a toda a pressa acudir-lhe, mas quando chegou ao pé dele já o encontrou estirado, juntamente com o cavalo, que era este o fim habitual das louçanias e atrevimentos de Rocinante. Mas, apenas Sancho se apeou, o demônio do bailador das bexigas saltou para cima do ruço, fustigando-o com elas. O medo e a bulha, mais do que a dor das pancadas, fizeram voar o burro pela campina até ao lugar onde iam fazer a festa. Olhava Sancho para a corrida do seu jumento e para a queda de D. Quixote, e não sabia para onde se havia de virar; mas, enfim, como fosse escudeiro e bem-amado, pôde mais com ele o afeto a seu amo do que o cuidado do jumento: posto que, de cada vez que via levantarem-se no ar as bexigas e caírem nas ancas do seu ruço, tinha sustos e aflições mortais, e antes queria que lhe dessem essas pancadas nas meninas dos olhos, do que no mínimo pêlo do rabo do burro. Nesta atribulada perplexidade chegou ao sítio onde estava D. Quixote bastante maltratado, e, ajudando-o a montar em Rocinante, disse-lhe:
— Senhor, o diabo levou o ruço!
— Qual diabo?
— O das bexigas.
— Pois eu o recobrarei — tornou D. Quixote — ainda que se esconda com ele nos mais profundos e escuros calabouços do inferno. Segue-me, Sancho, que a carreta vai devagar, e com as mulas que a puxam eu te compensarei a perda.
— Não há necessidade de se fazer essa diligência — respondeu Sancho; — modere Vossa Mercê a sua cólera, que, segundo me parece, já o diabo largou o ruço.
E assim era, porque, tendo o diabo caído com o burro, para imitar D. Quixote, foi a pé para a aldeia, e o jumento voltou para seu amo.
— Apesar disso — continuou D. Quixote — será bom castigar o descomedimento do demônio nalgum dos da carreta, ainda que seja no próprio imperador.