XIV
- Considerai, pois, comigo, ó cidadãos, de que modo me parece que ele diz isso. Responde-nos tu, Meleto, e vós, como pedi a princípio, não façais rumor contra mim, se conduzo o raciocínio desse modo.
Existem entre os homens, Meleto, os que acreditam que há coisas humanas, que não há homens? Que responda ele, ó juízes, sem resmungar ora uma coisa ora outra. Há os que acreditam que não há cavalos, e coisas que tenham relação com os cavalos sim? Ou acreditam que não há flautistas, e coisas relativas à flauta sim? Não há? Ótimo homem, se não queres responder, digo-o eu, aqui, a ti e aos outros presentes. Mas, ao menos, responde a isto: Há quem acredite que há coisas demoníacas, e demónios não?
- Não há.
- Oh! como estou contente que tenhas respondido de má vontade, constrangido por outros! Tu dizes. pois, que eu creio e ensino coisas demoníacas, sejam novas, sejam velhas; portanto, segundo o teu raciocínio, eu creio que há coisas demoníacas e o juraste na tua acusação. Ora, se creio que há coisas demoníacas, certo é absolutamente necessário que eu creia também na existência dos demónios. Não é assim? Assim é: estou certo de que o admites, porque não respondes. E não temo em apreço os demónios como deuses ou filho de deuses? Sim, ou não?
- Sim, é certo.
- Se, pois, creio na existência dos demónios, como dizes, se os demónios são uma espécie de deuses, isso seria propor que não acredito nos deuses, e depois, que, ao contrário, creio nos deuses, porque ao menos creio na existência dos demónios. Se, por outra parte, os demónios são filhos bastardos dos deuses com as ninfas, ou outras mulheres, das quais somente se dizem nascidos, quem jamais poderia ter a certeza de que são filhos dos deuses se não existem deuses? Seria de fato do mesmo modo absurdo que alguém acreditasse nas mulas, filas de cavalos e das jumentas, e acreditassem não existirem cavalos e asnos. Mas, Meleto, tua acusação foi feita para me pôr à prova, ou também por não saber a verdadeira culpa que me pudesses atribuir: por que, pois, te arriscas a persuadir um homem, mesmo de mente restrita, de que pode a mesma pessoa acreditar na existência das coisas demoníacas e divinas, e, de outro lado, essa pessoa não admitir demónios, nem deuses, nem heróis? Isso não é possível.