Tais foram as ponderações que Anselmo explanou, e que Lotário (a não ser o que acima se referiu ter ele dito) esteve escutando com a maior atenção, sem descerrar os lábios até ao fim. Como as viu concluídas, depois de estar encarando nele por um bom espaço, como se jamais tivera visto objeto para igual espanto, respondeu:
— Não me pode entrar na ideia, amigo Anselmo, que tudo isso que para aí disseste não passe de gracejo; aliás, não te houvera deixado prosseguir; se eu não escutasse, poupava-te todo esse desperdício de palavras. Está-me parecendo, que ou tu me não conheces, ou te não conheço a ti; engano-me; sei que és Anselmo, e tu não ignoras que eu sou Lotário; o mau é que já me não pareces o Anselmo de antes, assim como, segundo vejo, já também te não pareço o mesmo Lotário, que devia ser. As coisas que me tens dito não são do Anselmo meu amigo, nem as coisas que tu me pedes se deviam pedir a Lotário teu conhecido, porque os amigos verdadeiros hão-de provar os seus amigos e valer-se deles, como disse um poeta, usque ad aras; isto é, que não se devem valer da sua amizade em coisas que sejam ofensa de Deus.