E com isto se foi embora, para não ser notado pelos que ali o vissem. Apenas ele se apartou, logo, tornando a si a desmaiada Altisidora, disse:
— É necessário pôr-lhe lá o alaúde, que sem dúvida D. Quixote nos quer regalar com música, que não há-de ser má, se for dele.
Logo participaram à duquesa o que se passava e o pedido do alaúde que D. Quixote fizera, e ela, extremamente alegre, combinou com o duque e com Altisidora o fazerem-lhe uma burla que fosse mais alegre do que danosa, e com muito contentamento esperaram a noite, que não veio tão depressa como viera o dia, que os duques passaram em saborosas práticas com D. Quixote; e a duquesa nesse dia despachou real e verdadeiramente um pajem seu, que fizera na selva o papel de Dulcineia, a Teresa Pança, com a carta de seu marido Sancho Pança e com a trouxa de roupa que ele deixara para lhe ser mandada, ordenando-lhe que lhe desse boa relação de tudo o que se passasse.
Feito isto, e chegadas as onze horas da noite, encontrou D. Quixote uma viola no seu aposento; experimentou-a, abriu a reixa, sentiu que andava gente no jardim, e tendo apertado as escaravelhas da viola, e afinando-a o melhor que pôde, escarrou e aclarou o peito, e logo em seguida, com voz rouca, ainda que entoada, cantou o seguinte romance, que naquele mesmo dia compusera:
Tiram as almas dos eixos
as grandes forças do amor,
são os cuidados do ócio
seu instrumento melhor.
As donzelas na costura,
e em ’star sempre atarefadas,
têm antídoto ao veneno
das ânsias enamoradas.
As donzelas recolhidas,
e que desejam casar,
têm na honestidade o dote,
e a voz que as há-de louvar.