— Olha, Teresa — respondeu Sancho — e escuta o que te digo; talvez nunca o tivesses ouvido em todos os dias da tua vida; não é meu, mas tudo são sentenças do padre, que pregou a quaresma passada neste povo, o qual, se bem me lembro, disse que todas as coisas presentes, que os olhos estão mirando, assistem na nossa memória muito melhor, e com mais veemência do que as coisas passadas.
(Todas estas razões que Sancho aqui vai apresentando também são alegadas pelo tradutor, para considerar apócrifo este capítulo, porque excedem à capacidade de Sancho, que prosseguiu, dizendo):
— Donde nasce que, quando vemos alguma pessoa, bem ajaezada, ricamente vestida, e com grande pompa de criados, parece que à viva força nos move e convida a que lhe tenhamos respeito, ainda que a memória nesse momento nos lembre alguma baixeza em que a tivéssemos visto, e essa ignomínia, ou venha da indigência ou da linhagem, como já passou, não existe, e o que existe é o que vemos presente; e se este que a fortuna tirou da pobreza (que por estas mesmas razões assim o disse o padre), para o levantar à altura da sua prosperidade, for bem-criado, liberal, e cortês com todos, e não se quiser igualar com aqueles que por antiguidade são nobres, tem por certo, Teresa, que não haverá quem se recorde do que foi, mas reverenciará o que é, a não serem os invejosos, contra os quais não está segura nenhuma próspera fortuna.
— Não vos entendo, marido — replicou Teresa; — fazei o que quiserdes, e não me quebreis mais a cabeça com as vossas arengas e retóricas, e se revolvestes fazer o que dissestes.