- Deus me livre de ter pensado que poderíeis ser lacaio de senhores, mas sim servi-los a vosso prazer. Parece-me essa a melhor maneira de utilizardes o vosso tempo, não só no interesse dos vossos amigos, como no do bem comum, e mesmo de melhorar a vossa situação.
- Melhorar a minha situação? - retorquiu Rafael. - Servindo-me de meios que repugnam ao meu carácter? Neste momento sou livre, faço o que bem me apetece e quero, coisa que duvido que muitos dos grandes deste mundo e dos prelados vestidos de púrpura possam dizer. Muitos são os que procuram a amizade dos grandes homens; por isso os príncipes não se sentirão lesados se me não tiverem a mim, ou a dois ou três como eu, entre os seus cortesãos. Resolvi então intervir na conversa:
- É manifesto, caro Rafael, que não ambicionais riquezas ou poderes, nem eu tenho menos consideração por vós que por aqueles que tão alto se encontram, graças à sua autoridade e poder. Deveis proceder como vos agradar. Porém, a vossa sabedoria e generosa coragem deveriam levar-vos a aplicar o vosso espírito e méritos na orientação dos negócios públicos, embora com sacrifício do vosso bem-estar. A melhor maneira de o fazerdes será tomar parte no conselho de um grande príncipe e, como sem dúvida o faríeis, ministrar-lhe a verdade e a virtude. Bem sabeis que o príncipe é a nascente eterna, donde, sobre o povo, emana, em torrente, todo o bem e todo o mal. Ora, a vossa sabedoria e experiência são tão perfeitas que, mesmo sem o hábito e o conhecimento dos negócios públicos, seríeis um excelente conselheiro para qualquer príncipe.