A Escrava Isaura - Cap. 5: Capítulo 5 Pág. 27 / 185

Capítulo 5

Isaura despertando de suas pungentes e amargas preocupações, tomou seu balainho de costura e ia deixar o salão, resolvida a sumir-se no mais escondido recanto da casa, ou amoitar-se em algum esconderijo do pomar. Esperava assim esquivar-se à repetição de cenas indecentes e vergonhosas como essas por que acabava de passar. Apenas dera os primeiros passos foi e detida por uma extravagante e grotesca figura, que penetrando no salão veio postar-se diante de seus olhos.

Era um mostrengo afetando formas humanas, um homúnculo em tudo mal construído, de cabeça enorme, tronco raquítico, pernas curtas e arqueadas para fora, cabeludo como um urso, e feio como um mono. Era como um desses truões disformes, que formavam parte indispensável do séquito de um grande rei da Média Idade, para divertimento dele e de seus cortesões. A natureza esquecera de lhe formar o pescoço, e a cabeça disforme nascia-lhe de dentro de uma formidável corcova, que a resguardava quase como um capuz. Bem reparado todavia, o rosto não era muito irregular, nem repugnante, e exprimia muita cordura, submissão e bonomia.

Isaura teria soltado um grito de pavor, se há muito não estivesse familiarizada com aquela estranha figura, pois era ele, sem mais nem menos, o senhor Belchior, fiel e excelente ilhéu, que há muitos anos exercia naquela fazenda mui digna e conscienciosamente, apesar de sua deformidade e idiotismo, o cargo de jardineiro. Parece que as flores, que são o símbolo natural de tudo quanto é belo, puro e delicado, deviam ter um cultor menos disforme e repulsivo. Mas quis a sorte ou o capricho do dono da casa estabelecer aquele contraste, talvez para fazer sobressair a beleza de umas à custa da fealdade do outro.





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