Coisas que só eu sei - Cap. 7: VII Pág. 32 / 51

VII

“Cumpro religiosamente as minhas promessas. Tu não avalias o sacrifício que faço. Não importa. Como não quero cativar a tua gratidão, nem, mesmo ainda, mover a tua piedade, basta-me a consciência do que sou para ti, que é (medita bem) o mais que posso ser...

A história... não é assim? Principia agora.

António Alves era um pobre amanuense do escritório de um tabelião de Lisboa.

O tabelião morreu, e António Alves, privado dos escassos lucros de amanuense, lutou com a fome. A mulher por um lado com a filhinha ao colo, e ele pelo outro com as lágrimas da indigência, conseguiram algumas moedas, e com elas a passagem do pobre marido para o Rio de Janeiro.

Foi, e deixou entregues à Providência a mulher e a filha.

Josefa esperava todos os dias carta de seu marido. Nem carta, nem um indício da sua existência. Julgou-se viúva, vestiu-se de preto e viveu de esmolas, pedidas à noite na praça do Rossio.

A filha chamava-se Laura, e crescera bela, não obstante as angústias da fome, que transformam a formosura do berço.

Aos quinze anos de Laura, já sua mãe não mendigava. A desonra proporcionara-lhe abundância que uma honrosa mendicidade lhe não dera.

Laura era amante de um rico, que cumpria fielmente com a mãe as condicionais estipuladas na escritura de venda da filha.

Um ano depois, Laura explorava outra mina. Josefa não sofria com as vicissitudes da filha, e continuava a gozar os fins da vida à sombra de tão fecunda árvore.

A indigência e a sociedade fizeram-lhe compreender que só há desonra na fome e na nudez.

Outro ano depois, a radiosa Laura declarou-se o prémio do cavaleiro que mais airoso entrasse no torneio.

Concorreram muitos gladiadores, e parece que todos foram premiados, porque todos esgrimiam galhardamente.





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