William Wilson - Cap. 1: William Wilson Pág. 15 / 27

Agora conseguia encontrar motivos para duvidar do testemunho dos meus sentidos; e raras vezes lembrava o assunto sem me causar admiração até onde pode chegar a credulidade humana e sem sorrir ante a vivida imaginação que era em mim hereditária. Tão-pouco o carácter da vida em Eton era susceptível de contribuir para mitigar esse género de cepticismo. O vórtex de inconsciente folia em que ali tão pronta e estouvadamente mergulhei varreu tudo menos a espuma das minhas horas passadas, engoliu de súbito toda e qualquer impressão firme ou séria e apenas deixou na lembrança as frivolidades de uma existência anterior.

Não pretendo, todavia, traçar aqui o curso da minha miserável depravação - depravação essa que desafiava as leis ao mesmo tempo que iludia a vigilância da instituição. Passados três anos de loucuras sem proveito, que tão-somente me criaram hábitos radicados de vício e me aumentaram, de modo um tanto invulgar, a estatura física, a seguir a uma semana de desenfreada dissipação convidei um pequeno grupo dos estudantes mais depravados para um festim secreto nos meus alojamentos. Reunimo-nos a altas horas da noite, pois o nosso deboche devia ritualmente prolongar-se até de manhã. O vinho correu a rodos e não faltavam outras seduções, porventura mais perigosas; assim, já despontava timidamente a leste a cinzenta madrugada e as nossas delirantes extravagâncias estavam no auge.

Vivamente excitado pelo jogo e pela embriaguez, estava eu a propor novo brinde mais indecoroso que o habitual, quando a minha atenção foi subitamente desviada pela abertura violenta, embora parcial, da porta, e pela voz ansiosa de um criado, a anunciar-me que uma pessoa, aparentemente presa de grande urgência, pretendia falar-me no vestíbulo.





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