A Origem da Tragédia - Cap. 20: Capítulo 20 Pág. 119 / 164

O herói tornou-se gladiador, ao qual se concedia temporariamente a liberdade, depois de ter sido bastante atormentado e coberto de feridas. O deus ex machina tomou o lugar do consolo metafísico. Não quero dizer que a conceção trágica do mundo fosse em todas as partes e totalmente destruída pelo espírito não-dionisíaco que sobrevinha; sabemos apenas que da arte ela teve que se refugiar aos infernos, numa degeneração de culto secreto. A região mais extensa da superfície do ser helênico, todavia, era assolada pelo bafo esgotante daquele espírito, que se dá a conhecer naquela forma da “alegria grega”, sobre a qual já se dissertou anteriormente, como sendo um desejo de existência anciã e improdutiva. Esta alegria é o oposto à magnífica “ingenuidade” dos gregos mais antigos, que deve ser compreendida, depois da característica dada, como a flor da cultura apolínica, que brota de um abismo escuro, como a vitória, que a vontade helênica conseguiu por seu reflexo de beleza sobre o sofrimento e a sabedoria do sofrimento. A forma mais nobre daquela outra forma da “alegria grega”, da alexandrina, é a alegria do homem teórico; ela demonstra os mesmos sinais característicos, que acabo de deduzir do espírito do não-dionisíaco, — que combate a sabedoria e arte dionisíacas, que procura extinguir o mito, que coloca no lugar de um consolo metafísico uma consonância terrestre, e mesmo um deus ex machina próprio, a saber o deus das máquinas e cadinhos, isto é, as forças dos gênios da Natureza, conhecidas e empregadas no serviço de um egoísmo elevado, que crê em uma correção do mundo pelo saber, em uma vida guiada pela ciência, sendo capaz de encerrar o homem isolado em um círculo estreitíssimo de problemas que se podem resolver, dentro do qual este diz alegremente à vida: “Quero-te, tu mereces ser conhecida!”





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