A Origem da Tragédia - Cap. 11: Capítulo 11 Pág. 59 / 164

A palavra schlegeliana deve-se-nos manifestar aqui numa razão mais profunda. O coro é o “espectador ideal”, por ele ser o único que contempla, o contemplador do mundo das visões da cena. Um público de espectadores, tal como o conhecemos, era desconhecido aos gregos. Nos teatros destes, em virtude do terraço que se elevava em arcos concêntricos, era possível a qualquer pessoa apreciar todo o mundo civilizado situado em seu redor e julgar-se, em farta contemplação, corista. Segundo este conhecimento podemos denominar o coro, em seu primeiro degrau, na tragédia primitiva, um auto-reflexo do homem dionisíaco; fenômeno que se pode efetuar o mais claramente pelo processo do ator que, com verdadeira aptidão, vê diante de seus olhos, em forma tangível, o papel que deve representar. O coro satírico é, antes de mais nada, uma visão da multidão dionisíaca, como é, por seu turno, o mundo do palco uma visão desse coro satírico; o vigor desta visão é suficientemente forte para fazer com que o olhar se torne insensível ao efeito da “realidade” e aos homens civilizados, sentados em redor. A forma do teatro grego faz lembrar um vale solitário dos Alpes; a arquitetura da cena aparece como uma imagem luminosa de nuvens, que às bacantes, que a veem das alturas, vagando nas montanhas, aparece como uma moldura maravilhosa em cujo meio se lhes depara a imagem de Dionísio.

Aquele fenômeno primitivo artístico, que aqui mencionamos para a explicação do coro da tragédia, é quase escandaloso para nosso erudito modo de ver os elementares processos artísticos, enquanto nada pode ser mais certo do que o fato de ser o poeta somente poeta quando se vê rodeado por figuras, que diante dele vivem e agem, e cujo ser interior consegue descortinar.





Os capítulos deste livro