É tradição incontestável que a tragédia grega tinha por assunto, em sua forma mais antiga, exclusivamente os sofrimentos de Dionísio, e que por muito tempo o único herói existente do palco era o próprio Dionísio. Mas pode asseverar-se com a mesma certeza que nunca, até Eurípides, deixou Dionísio de ser o herói trágico, e que todas as figuras célebres do palco grego, Prometeu, Édipo etc., não são mais que máscaras daquele herói primitivo Dionísio. O fato de estar por detrás de todas estas máscaras uma divindade é a razão principal para a tantas vezes admirada “idealização” daquelas figuras célebres. Alguém afirmou serem cômicos todos os indivíduos como indivíduos, sendo com isto anti trágicos, de onde se poderia concluir que os gregos nem podiam aturar indivíduos, na cena trágica. De fato eles parecem ter sentido assim: como, aliás, aquela distinção e apreciação de valor da “ideia”, em contraposição ao “ídolo”, à imagem, é fundada profundamente no ser helênico; o Dionísio verdadeiramente real aparece em uma multiplicidade de figuras, com a máscara de um herói combatente e, por assim dizer, enredado na rede da vontade individual. Assim como agora fala e age o deus que aparece, assemelha-se ele a um indivíduo errante, esforçante e sofredor, e aparecer com tal certeza e clareza épicas é o efeito de Apolo, decifrador de enigmas, que interpreta para o coro o seu estado dionisíaco por aquele fenômeno comparativo. Em verdade, porém, é aquele herói o Dionísio dos Mistérios, aquele que sofre, aquele deus que experimenta em si mesmo as dores da individualidade, do qual narram mitos maravilhosos ter sido ele, quando menino, esquartejado pelos titãs, e ser adorado agora, neste estado, como Zagreus; no que se indica que este esquartejamento, o sofrimento propriamente dionisíaco, é igual à transformação em ar, água, terra e fogo, e que portanto devemos considerar o estado da individualidade como algo reprovável, como sendo a fonte e o fundamento primeiro de todos os padecimentos.