A Origem da Tragédia - Cap. 15: Capítulo 15 Pág. 83 / 164

Capítulo 12

Estacionemos um momento antes de mencionarmos essoutro espectador com seu nome, para fazermos voltar à memória aquela impressão anteriormente descrita, da duplicidade e do incomensurável, na essência da tragédia esquiléica. Lembremo-nos de nossa própria sensação estranha perante o coro e o herói trágico daquela tragédia, que não conseguimos fazer corresponder a nossos costumes nem à tradição — até reencontrar aquela duplicidade como a origem e ser da tragédia grega, como a expressão de dois impulsos artísticos entrelaçados, do apolínico e do dionisíaco.

Tirar aquele elemento dionisíaco e possante da tragédia e reedificá-la de maneira pura e nova, sobre a base da arte, do costume e da conceção do mundo não-dionisíaco — esta é a tendência de Eurípides, que se nos revela agora com claridade ofuscante.

O próprio Eurípides apresentou enfaticamente a seus contemporâneos a questão sobre o valor e o significado desta tendência em um mito. Deverá permanecer o dionisíaco? Não deverá este ser extirpado pela força do solo helênico? Certamente, diz-nos o poeta, se fosse possível; o deus Dionísio, porém, é poderoso demais. O adversário mais compreensível — como Penteu nas “Bacantes” — deixa-se inesperadamente enfeitiçar pelo mesmo e vai depois, com este enfeitiçamento, ao encontro de sua desgraça. A sentença, dos dois anciãos Cadmo e Tirésias também parece ser a sentença do poeta encanecido. A reflexão dos mais inteligentes “isolados” não faz cair por terra aquelas velhas tradições populares, aquela sempre reproducente veneração de Dionísio, e é conveniente mostrar, perante essas forças admiráveis, pelo menos, um prudente interesse, diplomaticamente velado; no que, entretanto, é sempre possível que o Deus se sinta chocado por um interesse tão fraco, transformando finalmente o diplomata — como aqui Cadmo — num dragão.





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