— Visto isto — disse D. Quixote — está já deveras acabada a história?
— Tão acabada como minha mãe — disse Sancho.
— Em verdade te digo — respondeu D. Quixote — que hás aí contado uma das mais originais histórias, anedotas ou contos, que ninguém no mundo poderia inventar. Modo tal de contar e concluir nunca o vi nem espero ver em toda a minha vida. Mas também, que outra coisa poderia vir do teu bestunto? Enfim: não me admiro; estes golpes, que não cessam, natural é que te hajam turbado o entendimento.
— Tudo pode ser — respondeu Sancho — mas o que eu sei é que a respeito do meu conto não há mais que dizer; acabou-se ali, onde começou o erro da contagem das cabras.
— Acabado seja ele onde quiseres, e em boa hora; e vejamos se poderá já mover-se o Rocinante.
Tornou a meter-lhe as pernas, e ele tornou a saltar, mas sem adiantar passo; tão bem peado estava!
Mas, quer fosse pela friagem da manhã, que já começava, quer por ter Sancho ceado alguma coisa laxante, quer fosse enfim coisa natural (que é o que mais depressa se deve crer), veio-lhe a ele vontade de fazer o que mais ninguém poderia em seu lugar; mas tamanho era o medo, que dele se tinha apossado, que não se atrevia a apartar-se uma unha negra do amo.
Cuidar que não havia de fazer o que tão apertadamente lhe era necessário, também não era possível.
O que fez, para de algum modo conciliar tudo, foi soltar a mão direita, que tinha segura ao arção traseiro, e com ela, à sorrelfa e sem rumor, soltou a laçada corredia com que os calções se aguentavam sem mais nada, e, soltando-a, caíram-lhes eles logo aos pés, que lhe ficaram presos como em grilhões; depois levantou a camisa o melhor que pôde, e pôs ao vento o poisadouro (que não era pequeno).