Logo que D. Quixote viu o que era, emudeceu, e ficou-se de todo pasmado. Voltou-se para ele Sancho, e viu-o de cabeça derrubada para os peitos, com mostras de envergonhadíssimo.
Olhou também D. Quixote para Sancho, e viu que estava de bochechas entufadas, e a boca cheia de riso, com evidentes sinais de estar por um triz a arrebentar-lhe a gargalhada. Não pôde tanto com o bom do cavaleiro a sua melancolia, que à vista da cara de Sancho se pudesse conter que também não risse. Sancho, vendo que o próprio amo lhe abria o exemplo, rompeu a presa de maneira que teve de apertar as ilhargas com as mãos ambas, para não rebentar a rir.
Quatro vezes serenou, e outras tantas voltou à mesma explosão de hilaridade com a mesma força que a princípio.
Já de tanta galhofa se ia dando ao diabo D. Quixote, mormente quando lhe ouviu dizer de chança:
— “Hás-de saber, Sancho amigo, que eu nasci por determinação do céu nesta idade de ferro para ressuscitar nela a de ouro ou dourada. Eu sou aquele para quem estão guardados os perigos, as grandes façanhas, os valorosos feitos.” E por aqui foi enfiando todas as razões que ao amo ouvira, quando começaram aqueles golpes medonhos.
Vendo pois D. Quixote que o seu escudeiro fazia mofa dele, correu-se, e em tanta maneira se agastou, que alçou a chuça, e lhe assentou duas bordoadas tais, que, se, assim como as ele recebeu nas costas, o apanham pela cabeça, livravam o amo de lhe pagar as soldadas, salvo se fosse aos seus herdeiros.
Sancho, conhecendo o mal que as suas graças lhe iam saindo, e, receando que o ensino passasse a mais, com muita humildade lhe disse:
— Tenha mão Vossa Mercê, senhor meu, que tudo isto em mim é graça.