D. Quixote, que tais blasfêmias ouviu proferir contra a sua senhora Dulcinéia, não o pôde levar à paciência; e, levantando a chuça, sem proferir chus nem bus, nem “guarda de baixo”, apresentou duas bordoadas em Sancho, que pregou com ele em terra; e se não fora o começar Dorotéia a gritar que lhe não desse mais, sem dúvida lhe acabaria ali a vida.
— Pensais, vilão ruim — lhe disse passado pouco — que hei-de estar sempre para vos aturar, e que tudo há-de ser tu a despropositares, e eu a perdoar-te? pois não o cuides, maroto excomungado, que o és sem dúvida nenhuma, pois te atreveste a pôr língua na sem par Dulcinéia. Não sabeis vós, mariola, biltre, que, se não fosse pelo valor que ela infunde no meu braço, eu por mim nem matava uma pulga? Dizei-me, socarrão de língua viperina, quem julgais que foi o conquistador deste reino, e o que decepou a cabeça deste gigante, e vos fez a vós Marquês (que tudo isto o dou eu já como feito e processo findo), se não é o valor de Dulcinéia, fazendo de meu braço instrumento de suas façanhas? Ela peleja em mim, e vence em mim; eu vivo e respiro nela; nela tenho vida e ser.