— Isso não pode ser assim, senhor D. Quixote — respondeu a duquesa; — é forçoso que o sirvam quatro das minhas donzelas, lindas como umas flores.
— Para mim — respondeu D. Quixote — não seriam flores, mas espinhos que me pungiriam a alma. Não entram no meu aposento nem mulheres nem coisa que o pareça, se Vossa Excelência não mandar o contrário. Deixe-me levantar uma muralha entre a minha honestidade e os meus desejos, e não quero perder este costume, pela liberalidade com que Vossa Alteza pretende honrar-me e favorecer-me. Enfim, prefiro dormir vestido, a consentir que alguém me dispa.
— Basta! basta! senhor D. Quixote — acudiu a duquesa — por minha vida que darei as mais apertadas ordens para que não entre no seu quarto nem uma mosca sequer. Por minha culpa não há-de ter nem o mais leve detrimento a decência do senhor D. Quixote, que, segundo me dizem, a virtude que mais campeia entre as muitas que o ornam é a da castidade. Dispa-se Vossa Mercê, e vista-se sozinho e à sua vontade, como e quando quiser, que não haverá quem lho impeça, porque dentro do seu aposento achará tudo o que lhe pode ser preciso, e que dispense de abrir a porta, quando lá estiver. Viva mil séculos a grande Dulcineia del Toboso, e espalhe-se o seu nome por toda a redondeza do globo, pois mereceu ser amada por tão valente e casto cavaleiro! e os benignos céus infundam no coração de Sancho Pança, do nosso governador, um desejo de acabar depressa com os seus açoites, para que o mundo torne a desfrutar a formosura de tão excelsa senhora.