Criado de Vossa Mercê
SANCHO PANÇA, O GOVERNADOR.”.
Fechou a carta o secretário e despachou logo o correio; e, juntando-se os burladores de Sancho, combinaram entre si o modo como haviam de o pôr fora do governo; e essa tarde passou-a Sancho a fazer algumas ordenações, tocantes à boa administração da terra que ele tomava por ilha; e ordenou que não houvesse vendedores de comestíveis a retalho e que se pudesse mandar vir vinho donde se quisesse, e com obrigação de se declarar o lugar, para se lhe pôr o preço, segundo a sua avaliação, a sua bondade e a sua fama; e quem lhe deitasse água ou lhe mudasse o nome, morreria por elo; moderou o preço de todo o calçado, principalmente dos sapatos, por lhe parecer que corria com exorbitância; pôs taxa nos salários dos criados, que seguiam à rédea solta pelo caminho do interesse; pôs gravíssimas penas aos que cantassem cantigas lascivas ou descompostas, quer de noite quer de dia; ordenou que nenhum cego cantasse milagres em coplas, a não trazer testemunhos autênticos de serem verdadeiros, por lhe parecer que a maior parte dos que os cegos cantam são fingidos, e prejudicam os outros.
Criou um aguazil de pobres, não para os perseguir, mas para examinar se o eram, porque à sombra de aleijão fingido, ou de chaga falsa, andam ladrões os braços e bêbeda a saúde. Enfim, ordenou coisas tão boas, que ainda hoje se guardam naquele lugar e se chamam — as constituições do grande governador Sancho Pança.