— Não diga isso, meu bom senhor — tornou o correio — não houve encantamento, nem mudança de rosto; lacaio Tosilos entrei na estacada, e lacaio Tosilos saí dela. Quis casar sem pelejar, porque me pareceu bonita a moça, mas saiu-me tudo às avessas do que eu pensava, porque, apenas Vossa Mercê se ausentou do castelo, o duque meu amo mandou-me dar cem bastonadas, por não ter cumprido as suas ordens, e a rapariga meteu-se freira e dona Rodríguez voltou para Castela, e eu vou agora a Barcelona levar um maço de cartas ao vice-rei, que lhe envia meu amo. Se Vossa Mercê quer uma pinga, quente, é verdade, mas pura, levo aqui uma cabaça cheia de vinho do melhor, com umas fatias de queijo de Tronchon, que servirão de chamariz e de despertador à sede.
— Aceito eu o convite — acudiu Sancho — e venha de lá o vinho do bom Tosilos, apesar de quantos nigromantes houver nas Índias.
— Enfim — disse D. Quixote — tu sempre hás-de ser, Sancho, o maior glutão e o maior ignorante da terra, pois não te persuades que este correio é encantado e este Tosilos fingido; fica-te com ele e farta-te, que eu vou andando devagar, à espera que venhas.
Riu-se o lacaio, tirou a cabaça, sacou dos alforjes as fatias de queijo e um pão pequeno, e ele e Sancho sentaram-se na verde relva, e em boa paz e companhia deram cabo de tudo o que vinha nos alforjes, com tanta gana, que até lamberam o maço das cartas, só porque cheirava a queijo.
— Sem dúvida alguma este teu bom amo, Sancho amigo — disse Tosilos — deve ser doido.
— Deve? — respondeu Sancho — não deve nada a ninguém, principalmente se a moeda for loucura; isso vejo eu e digo-lho; mas de que serve,