«Suponhamos, pois, que eu, pobre louco, me levanto no meio de tão altos assuntos, no meio de uma assembleia tão nobre e sábia, que aconselha o rei à guerra, que me levanto, repito, e lhes troco as voltas e lhes ensino outra lição, dizendo que o meu conselho é que se deixe em paz a Itália e se fique em França, pois que a França é já grande de mais para ser bem governada por um só homem, e que o rei não deve preocupar-se com aumentá-la; e proponho ainda que tomem como exemplo os Acórios, cujo país se situa em frente da ilha da Utopia, a sudeste. Os Acórios travaram outrora uma guerra por o seu rei desejar dominar outro reino, cujo trono reclamava e a que se achava com direito, em virtude de uma velha aliança. Por fim conseguiram vencê-lo e não demoraram a reconhecer que tinham mais trabalho em conservá-lo do que tinham tido em conquistá-lo. Ora os seus novos súbditos se revoltavam diariamente contra eles, ou então os outros países tentavam continuamente invadir o país conquistado, de maneira que ou tinham de combater por eles ou contra eles, e nunca podiam depor as armas, vendo-se entretanto pilhados e empobrecidos e o dinheiro a correr para além-fronteiras e os seus homens mortos para defender a glória de uma nação estrangeira. Quando não estavam em guerra, a paz não valia mais que o estado de conflito, pois a guerra corrompera os costumes dos soldados, dando-lhes o gosto e o prazer do roubo e da pilhagem;