A Dama Pé-de-Cabra - Cap. 2: Trova Segunda Pág. 12 / 27

Contava vinte e cinco anos; os sonhos das suas noites eram de formosas damas; eram de amores e deleites; mas ao romper da manhã todos eles se desfaziam, que, ao sair ao campo, não via senão pastoras tostadas do sol e das neves e as servas grosseiras do seu solar.

Destas estava ele farto. Mais de cinco tinha enganado com palavras; mais de dez comprado com ouro; mais de outras dez, como nobre e senhor que era, brutamente violado.

Com vinte e cinco anos, já no livro da justiça divina se lhe haviam escrito mais de vinte e cinco grandes maldades.

Uma noite sonhou Astrigildo que corria serras e vales com a rapidez do vento, montado em ónagro silvestre, e que, depois de correr muito, chegava alta noite a um solar, onde pedia gasalhado.

E que formosa dama o recebia, e que em poucos instantes um do outro se enamorava.

Acordou sobressaltado e, durante o dia inteiro, não pensou em outra coisa senão na formosa dama que vira naquele sonhar da madrugada.

Três noites se repetia o sonho: três dias o mancebo cismava. Encostado à varanda de um eirado, na tarde do terceiro dia, olhava triste para as montanhas do norte, que via lá no horizonte, como nuvens pardacentas. O sol começou a descer no poente, e ainda ele estava embebido no seu melancólico cismar.

Por acaso, volveu então os olhos para o terreiro que lhe ficava por baixo: um ónagro da floresta estava aí deitado, como se fosse manso jumento; era inteiramente semelhante àquele com que havia sonhado.

Sonhos de três noites a fio não mentem: Astrigildo desceu à pressa ao terreiro. Sem bulir pé nem mão, o ónagro deixou-se enfrear e selar; e, a Deus e à ventura, o mancebo cavalgou nele e deitou pela encosta abaixo.

Cumpria-se tudo à risca: o ónagro não corria, voava.





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