A Origem da Tragédia - Cap. 20: Capítulo 20 Pág. 116 / 164

Se tivermos adjudicado, com razão, à música a força de poder gerar novamente o mito de si, então deveremos procurar o espírito da música na estrada em que ele se opõe hostilmente a esta força criadora de mitos da música. Sucede tal no desenvolvimento do novo ditirambo ático, cuja música não mais exprimiu o ser interno, a própria vontade, mas que só transmitia insuficientemente o fenômeno, numa imitação conseguida por meio de conceitos. Desta música, degenerada internamente, se apartavam as pessoas verdadeiramente musicais com a mesma aversão, que tinham da tendência assassina da arte de Sócrates. O instinto seguro de Aristófanes agiu, sem dúvida, acertadamente ao incluir o próprio Sócrates, a tragédia de Eurípides e a música dos ditirâmbicos mais modernos no mesmo sentimento de ódio, sentindo em todos estes três fenômenos os sinais de uma cultura degenerada. Mediante aquele novo ditirambo tornou-se a música, criminosamente, a imagem imitativa do fenômeno, por exemplo de uma batalha, de um temporal, tendo-se, em verdade, roubado com isto toda sua força criadora de mitos. Pois se ela procura excitar o nosso deleite apenas em nos forçando procurar analogias externas entre um acontecimento da vida e da natureza e certas figuras rítmicas e sons característicos da música, se a nossa inteligência se deve contentar com o conhecimento dessas analogias, então descemos a um estado de ânimo em que é impossível a receção do mítico; pois o mito deseja ser entendido contemplativamente, como único exemplo de uma generalidade e verdade, que crava os olhos no infinito. A verdadeira música dionisíaca se nos depara como um tal espelho geral da vontade do mundo; aquele acontecimento contemplativo, que neste espelho se reflete, alarga-se para nosso sentimento como sendo a imagem de uma verdade eterna.




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