A Origem da Tragédia - Cap. 24: Capítulo 24 Pág. 142 / 164

Dirijo-me somente a estes que, parentes imediatos da música, nela têm, por assim dizer o seu seio maternal, e que só se relacionam com assuntos comuns por meio de inconscientes relações musicais. A estes músicos de verdade me dirijo perguntando se eles se podem imaginar pessoas que consigam perceber o terceiro ato de “Tristão e Isolda”, sem qualquer ajuda de imagem ou palavra, como uma composição sinfônica ingente, sem asfixiar-se sob excitação temerosa de todas as asas da alma? Uma pessoa que, como no caso presente, tenha colocado o ouvido como que ao centro da vontade universal, que sente a ansiedade terrível de ser como a corrente tonitroante ou como o ribeirinho manso e calmo que daqui se derrama em todas as veias do mundo, tal homem não deveria estalar de repente? Deveria ele suportar, na plenitude miserável e cristalina do indivíduo humano, o eco de intermináveis exclamações de júbilo e dor, que partem do “espaço infindo da noite universal”, sem procurar refugiar-se, ao ouvir tais pastorelas da metafísica, em sua pátria primitiva? Se tal obra, porém, pode ser percebida como um todo, sem negação da existência individual, se tal obra pôde ser criada sem aniquilar o seu criador — onde é possível encontrar a solução de cousa tão contraditória?

Aqui se infiltra, entre nossa maior excitação musical e aquela música, o mito trágico e o herói trágico, no fundo igualdade dos fatos totalmente universais, dos quais, apenas, a música pode falar diretamente. Como igualdade, porém, seria o mito, se o entendêssemos como indivíduo puramente dionisíaco, ineficaz, ficando inobservado ao nosso lado, e nunca nos poderia fazer desviar da necessidade de prestarmos atenção ao eco da universalia ante rem.





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