A Origem da Tragédia - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 32 / 164

Como poderia ter suportado a existência aquele povo tão sensível, tão desejoso, tão inclinado aos sofrimentos, se ela não lhe fosse apontada como rodeada de uma glória superior, em seus deuses? Aquele mesmo impulso que chama a arte à vida, como o complemento sedutor à continuação da vida e perfeição da existência, fez também nascer o mundo olímpico em que se representou a “vontade” helênica como um espelho transfigurante. Assim os deuses justificam a vida humana vivendo-a eles mesmos — a por si só suficiente Teodisséia!

A existência sob o raio de sol brilhante de tais deuses e sentido como o digno de ser ambicionado, e a verdadeira dor dos homens homéricos se refere à separação desta, principalmente à morte próxima: de modo que agora poderia dizer-se deles, invertendo a verdade silênica: “o pior para eles é a morte próxima, o pior em segundo lugar é o fato de terem de morrer alguma vez”. Quando a queixa se faz ouvir uma vez, então ela ressoa sobre Aquiles, que tão breve existência desfrutou, sobre os seres humanos que mudam e passam como as folhas, sobre o desaparecimento do tempo heroico. Nem para o maior herói é indigno o desejo de continuar vivendo, nem que seja como jornaleiro. Com tal ímpeto exige, no degrau apolínico, o “desejo” esta vida, tão unido se sente o ser homérico a ele, que mesmo o lamento se torna um seu canto de louvor.

Agora é necessário dizer que esta harmonia, contemplada tão ansiosamente pelo homem moderno, a unidade do homem com a natureza, à qual Schiller aplicou a palavra “ingênuo” , não é um estado tão simples, que por si mesmo se produza ou que é inevitável, que nós deveríamos encontrar no limiar de toda e qualquer cultura, como se fosse o paraíso da humanidade: isto somente se poderia crer numa época que procurava imaginar o “Emílio” de Rousseau como um artista e que pensava haver achado em Homero um tal artista Emílio, educado rente ao coração da natureza.





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