A Origem da Tragédia - Cap. 7: Capítulo 7 Pág. 37 / 164

Imaginemos o que poderia significar, perante esta canção popular demoníaca, o artista salmodiante de Apolo, com o sonido fantástico da harpa! As musas das artes de “aparência” empalideciam diante uma arte que em sua embriaguez dizia a verdade; a sabedoria de Sileno exclamava: Ai! ai! contra os alegres Olímpicos. O indivíduo com todos os seus limites e suas medidas se afogava aqui no esquecimento próprio dos estados dionisíacos e olvidava os conceitos apolínicos. O excesso se descobria como verdade; a contradição, o deleite nascido das dores, falava de si, do coração da natureza. E assim, onde quer que penetrasse o dionisíaco, se anulava e extinguia o apolínico. Mas é igualmente certo que lá, onde se conseguira resistir ao primeiro ataque, se exprimiam a reputação e a majestade do deus délfico, mais fixas e mais ameaçadoras do que nunca. Eu somente posso compreender o estado dórico e a arte dórica como uma continuação do acampamento bélico do apolínico: uma educação tão bélica e áspera, uma arte tão obstinada e seca, rodeada por baluartes, uma política tão cruel e desconsiderada poderiam ser de duração extensa apenas numa oposição ininterrupta ao ser titânico e bárbaro do Dionisíaco.

Até aqui foi tratado aquilo que indiquei no início desta dissertação: como o dionisíaco e o apolínico, incitando-se mutuamente em partos consecutivos dominaram o ser helênico, como da “idade de bronze” com suas lutas de titãs e sua rude filosofia popular se desenvolveu, sob o governo do impulso apolínico do belo, o mundo homérico; como novamente é devorado este esplendor “ingênuo” pela corrente impetuosa do dionisíaco, e como se eleva ante esta potência nova o apolínico, como a majestade impassível da arte dórica e da conceção do mundo.





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