A Origem da Tragédia - Cap. 8: Capítulo 8 Pág. 41 / 164

Aquele reflexo, sem imagem ou conceito da dor primitiva na música, com sua redução na aparência, produz agora um segundo reflexo, como única igualdade ou exemplo. Sua subjetividade já foi abandonada pelo artista no processo dionisíaco; a imagem que então lhe mostra sua unidade com o coração do mundo, é uma cena do sonho que faz percetível aquela contradição e dor, conjuntamente com o prazer da aparência. O “eu” do lírico soa então do abismo da existência: sua “subjetividade” no sentido dos estéticos modernos é imaginação. Quando Arquíloco, o primeiro lírico dos gregos, manifesta seu amor extravagante e, ao mesmo tempo, seu desprezo às filhas de Lycambes, não é a sua paixão que baila à nossa frente em dança desenfreada, vemos Dionísio e as mônades, vemos o bêbedo entusiasta Arquíloco, caído no sono — como nas Bacantes no-lo descreve Eurípides, o sono nos cumes dos Alpes no sol do meio-dia — e então Apolo dele se acerca e o toca com os louros. O encanto dionisíaco-musical do dormente lança, por assim dizer, centelhas de imagens em seu redor, poesias líricas que, em seu maior desenvolvimento, se denominam tragédias e ditirambos dramáticos.

O plástico e ao mesmo tempo o seu aparentado épico estão imersos numa contemplação pura das imagens. O músico dionisíaco é, sem qualquer imagem, apenas dor primitiva e eco primitivo do mesmo. O gênio lírico sente nascer e crescer do místico abandono próprio e do estado unitário um mundo de imagens e igualdades que têm um colorido, causalidade e velocidade bem diferentes daquele mundo do plástico e do épico.





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