A Origem da Tragédia - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 49 / 164

Distingue-se aqui, o mais rigorosamente possível, a ideia do ser dado fenômeno, porque a música, segundo a sua natureza, não pode ser vontade, pois, como tal, deveria ser banida totalmente do domínio da Arte — por a vontade ser o inestético em si; mas ela aparece como vontade. Para exprimir seus fenômenos em figuras ou imagens necessita o lírico de todas as forças da paixão; desde o murmurar da inclinação até o borbulhar da loucura; sob o impulso de falar em exemplos apolínicos da música compreende ele a natureza e a si apenas como o eterno desejoso, cobiçoso e anelante. Quando, porém, interpreta a música em imagens, ele mesmo descansa na quietude oceânica da consideração apolínica, apesar de tudo o que ele divisa pelo médium da música estar em movimento agitado e apressado. E quando ele próprio se vê pelo mesmo médium, então lhe aparece sua própria imagem no estado dum sentir não satisfeito, seu próprio desejar; querer, gemer e exultar é-lhe uma comparação com que se interpreta a música. Este é o fenômeno do lírico. Como gênio apolínico ele interpreta a música pela imagem da vontade, enquanto que ele mesmo completamente desprendido da ânsia da vontade, é uma figura pura e serena como o sol .

Toda esta discussão aceita que o lirismo é tão dependente do espírito da música, como a própria música que, em sua total ilimitação, não necessita nem da imagem, nem da ideia, apenas as suportando ao seu lado. A poesia do lírico nada pode exprimir que já não esteja contido na maior generalidade e indiferença da música, que o impeliu à linguagem figurada. Não se pode esgotar com a linguagem o simbolismo universal da música por esta se referir simbolicamente à contradição e dor primitivas no coração do Uno-Primitivo, simbolizando com isto uma esfera que está sobre todos e ante todos os fenômenos.





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