A Origem da Tragédia - Cap. 17: Capítulo 17 Pág. 98 / 164

Se, portanto, temos que admitir uma tendência anti-dionisíaca, agindo já antes de Sócrates, recebendo, porém, só com ele, uma expressão grandiosa e inaudita, então não devemos retroceder ante o quesito, qual o trajeto assinalado por uma figura como Sócrates, figura que não podemos entender, tendo em vista os diálogos de Platão, como sendo somente uma força negativa e dissolvente. E tão certo como o efeito primeiro do impulso socrático se dirigia para uma decomposição da tragédia dionisíaca, assim nos força uma experiência profunda da própria vida de Sócrates a perguntar se necessariamente existe entre o socratismo e a arte apenas uma relação antípoda e se o nascimento de um “Sócrates artístico” constitui algo contraditório em si.

Pois aquele lógico despótico tinha, no tocante à arte, aqui e acolá o sentimento de um vácuo, de um vazio, duma semi-censura, de um dever porventura descuidado. Frequentes vezes sobrevinha-lhe, conforme narrava a seus amigos durante a prisão, a mesma figura de sonho, dizendo sempre:

“Sócrates, ocupa-te de música!”

Tranquiliza-se ele, até seus últimos dias, com a suposição de ser o seu filosofar a maior arte das musas, não acreditando que uma divindade lhe lembraria àquela “música comum popular”. Finalmente, na prisão ele dedica-se também, para aliviar a sua consciência, à prática daquela música por ele pouco considerada. É nesse sentido que ele compõe um proêmio a Apolo, pondo em versos algumas fábulas esópicas. Isto foi algo parecido com a voz que o prevenia demoniacamente; e, o que o levou a tais experiências foi sua convicção apolínica de que ele, como um rei bárbaro, não conseguia entender uma nobre imagem divina, encontrando-se em perigo de pecar contra sua divindade — por sua incompreensão.





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