A Mulher de Trinta Anos - Cap. 3: Aos trinta anos Pág. 102 / 205

que vivem de um artigo de jornal; autores e artistas cujas obras nunca saem das pastas; gente sábia com aqueles que nada sabem de ciência, como Sganarello é latinista com os que não sabem latim; homens aos quais unanimemente se concede capacidade sobre um ponto, seja a direção das artes, seja uma missão importante. Esta frase admirável: É um especialista, parece ter sido criada para essas espécies de acéfalos políticos ou literários. Carlos demorou-se na contemplação mais tempo do que queria, e ficou descontente por se ter preocupado com uma mulher; mas também a presença daquela mulher refutava os pensamentos que o jovem diplomata concebera pouco antes, enquanto contemplava o baile.

A marquesa, que tinha então trinta anos, era bela, ainda que de formas excessivamente delicadas. Seu maior encanto emanava de uma fisionomia cuja calma traía uma maravilhosa profundidade d’alma. Seu olhar cheio de brilho, mas que parecia velado por um pensamento constante, acusava uma vida febril e a mais extensa resignação; e as pálpebras, quase sempre castamente baixadas, raras vezes se erguiam. Se olhava em volta de si, era um movimento triste, e dir-se-ia que reservava o fogo dos seus olhos para ocultas contemplações. Por isso, todo homem superior se sentia curiosamente atraído para aquela mulher meiga e silenciosa. Se o espírito procurava adivinhar os mistérios da reação perpétua que nela se fazia do presente para o passado, da sociedade para a sua solidão, a alma não se interessava menos em se iniciar nos segredos de um coração de algum modo orgulhoso dos seus sofrimentos. Nela, de resto, nada desmentia as idéias que primeiro inspirava. Como quase todas as mulheres que têm os cabelos compridos, era pálida e perfeitamente branca. A pele, de extraordinária





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