A Mulher de Trinta Anos - Cap. 3: Aos trinta anos Pág. 121 / 205

A mão da marquesa estava na de Vandenesse, e a abandonava sem julgar que lhe concedia uma graça.

Inclinaram-se ao mesmo tempo para verem uma dessas majestosas paisagens cobertas de neve, de geleiras, de sombras pardacentas que tingem as faldas de montanhas fantásticas; um desses belos quadros cheios de bruscas oposições entre os tons negros e vermelhos que o firmamento apresenta antes que o sol se esconda de vez. Nesse momento, os cabelos de Júlia tocaram no rosto de Vandenesse: ela sentiu este ligeiro contato, estremeceu violentamente; e ele ainda mais; porque ambos tinham chegado gradualmente a uma dessas crises inexplicáveis em que a alma comunica aos sentimentos uma tão fina percepção que o mais fraco choque faz verter lágrimas, se o coração está entregue à tristeza, ou lhe dá prazeres inefáveis, se está perdido nas vertigens do amor. Júlia apertou quase involuntariamente a mão do seu amigo. Essa pressão persuasiva deu coragem à timidez do amante. As alegrias do momento e as esperanças do futuro, tudo se fundiu numa comoção, a da primeira carícia, do casto e modesto beijo que a senhora d’Aiglemont deixou depor-lhe na face. Quanto mais insignificante é o favor, mais forte e perigoso se torna. Para desgraça de ambos, não havia aí nem dissimulação nem falsidade. Foi a concordância de duas belas almas, separadas por tudo o que é lei, reunidas por tudo o que é sedução na natureza. Nesse momento, entrou o general d’Aiglemont.

- O ministério caiu - disse o general - e seu tio faz parte do novo gabinete. Tem assim fortes probabilidades de vir a ser embaixador, Vandenesse.

Carlos e Júlia olharam-se, corando. Esse mútuo pudor foi mais um elo entre si; ambos tiveram o mesmo pensamento, o mesmo remorso; laço terrível e tão forte entre dois bandidos que acabam de assassinar um homem como entre dois amantes culpados de um beijo.





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