A Mulher de Trinta Anos - Cap. 4: O dedo de Deus Pág. 130 / 205

Que medonho interrogatório não ia sofrer do marido, seu eterno juiz? E arrastava consigo uma testemunha incorruptível. A infância tem a tez diáfana, a fronte transparente; e, nela, a mentira é como uma luz que lhe ruboriza até o próprio olhar. A desgraçada mulher não pensava ainda no suplício que a aguardava em casa. Olhava o Bièvre.

Um acontecimento semelhante devia causar um abalo medonho na vida de uma mulher, e eis um dos ecos mais terríveis que, de tempos em tempos, perturbaram os amores de Júlia.

Passados dois ou três anos, uma noite, depois do jantar, em casa do marquês de Vandenesse, então de luto por seu pai e tendo de tratar de uma herança, achava-se um notário; não um insignificante notário de Sterne, mas um dos mais altos e gordos de Paris, um desses estimáveis homens que fazem uma tolice com toda a placidez, colocam pesadamente o pé sobre uma ferida desconhecida e perguntam o motivo por que se queixam. Se, por acaso, lhes explicam a razão da sua tolice assassina, replicam: - Juro!, eu nada sabia!

Enfim, era um notário honestamente imbecil, que na vida só via atas. O diplomata tinha junto de si a senhora d’Aiglemont. O general saíra, polidamente, antes do fim do jantar, para acompanhar seus dois filhos ao teatro, ao Ambigu-Comique ou ao Gaieté. Embora os melodramas super-excitem os sentimentos, são em Paris considerados acessíveis à criança, e sem perigo porque a inocência neles sempre triunfa. O pai partira sem esperar a sobremesa, de tal modo a filha e o filho o haviam atormentado para chegarem ao espetáculo antes do levantar do pano.

O notário, o imperturbável notário, incapaz de perguntar a si mesmo por que motivo a marquesa d’Aiglemont mandava para o teatro o marido e os filhos sem os acompanhar, estava, depois do jantar, como que pregado à cadeira.





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