A Mulher de Trinta Anos - Cap. 1: Primeiros erros Pág. 45 / 205

Magoada nos seus mais íntimos desejos, nos costumes que em jovem sonhara, via-se obrigada a reter suas lágrimas. A quem havia de queixar-se? Quem a escutaria? Além disso, ela possuía essa extrema delicadeza de mulher, esse delicioso pudor de sentimento que consiste em calar uma queixa inútil, em não desejar um triunfo que deve humilhar o vencedor e o vencido. Júlia tentava incutir sua capacidade, suas próprias virtudes ao senhor d’Aiglemont, e lisonjeava-se de gozar a felicidade que lhe faltava.

Toda sua sabedoria de mulher era inutilmente empregada em atenções ignoradas por aquele cujo despotismo perpetuavam. Havia momentos em que o desgosto deixava-a como que embriagada, sem idéias, meio louca; mas felizmente um sentimento de verdadeira piedade logo a reconciliava com uma suprema esperança; refugiava-se na vida futura, crença admirável que a fazia aceitar de novo a sua dolorosa tarefa. Esses combates tão terríveis, essas angústias íntimas eram obscuras, essas longas melancolias eram desconhecidas; criatura alguma recolhia seus gemidos, seus olhares ternos, suas lágrimas amargas derramadas na solidão.

Os perigos da crítica situação a que insensivelmente chegara por força das circunstâncias revelaram-se em toda sua gravidade numa noite do mês de janeiro de 1820.

Quando dois esposos se conhecem perfeitamente e estão muito habituados um ao outro, quando uma mulher sabe interpretar os gestos mais insignificantes de um homem e pode penetrar seus sentimentos ou as coisas que ele lhe oculta, sucede que brilha uma repentina claridade, devido às reflexões e reparos dados pelo acaso, ou tecidos a princípio descuidadamente. Amiúde, uma mulher desperta, de repente, à beira ou no fundo de um abismo. Assim a marquesa, feliz por se achar só havia alguns dias, adivinhou o segredo da sua solidão.





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