A Mulher de Trinta Anos - Cap. 1: Primeiros erros Pág. 48 / 205

Aquelas palavras insignificantes e banais, aquele silêncio entre os dois esposos, os gestos, os olhares, a maneira como o marquês se sentara junto da lareira, a sua atitude de querer beijar o colo da mulher, tudo servira para fazer daquela hora um trágico desenlace à vida solitária e dolorosa de Júlia. Na loucura que a acometeu, ela ajoelhou-se junto ao divã, escondendo o rosto para não ver coisa alguma, e rogou a Deus, dando às palavras usuais da sua oração um acento íntimo, uma significação nova, que teriam dilacerado o coração do marido, se a tivesse ouvido. Durante oito dias esteve preocupada com seu futuro, presa da infelicidade, procurando um meio de não mentir ao seu coração, de recuperar seu império sobre o marquês e viver suficientemente para velar pela felicidade da filha. Resolveu, então, lutar com a sua rival, tornar a aparecer e brilhar na sociedade, fingir pelo marido um amor que já não podia sentir, seduzi-lo enfim; depois, quando com os seus artifícios o tivesse sob seu poder, tornar-se-ia faceira para com ele como o são essas mulheres caprichosas, que sentem prazer em atormentar seus amantes. Essa odiosa artimanha era o único remédio possível para seus males. Desse modo, poderia tornar-se senhora dos seus sofrimentos, ordená-los a seu bel-prazer e torná-los raros, subjugando o marido sob um despotismo terrível. Não sentia Júlia o mínimo remorso de lhe impor uma existência difícil. De um salto, lançou-se nos frios cálculos da indiferença. Para salvar a filha, adivinhou de súbito as perfídias, as mentiras das criaturas que não amam, os embustes da faceirice e essas atrozes astúcias que tornam tão profundamente odiosas as mulheres nas quais os homens supõem, então, corrupções inatas. A despeito de Helena, a sua vaidade feminina, o seu interesse e um vago desejo de vingança concordaram com o seu amor materno para induzi-la num caminho onde novas dores a aguardavam.




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