A Mulher de Trinta Anos - Cap. 1: Primeiros erros Pág. 53 / 205

Somos ambos perfeitos cavalheiros - disse ele, dando a essa palavra a acepção inglesa de gentleman - e podemos entender-nos. Previno-o de que se aceitar minha proposta, será a todo momento juiz do meu procedimento. Nada empreenderei sem seu prévio consentimento, sem sua vigilância, e respondo pelo êxito, se consentir em me obedecer. Sim, se deixar de ser, durante longo tempo, o marido da senhora d’Aiglemont - segredou-lhe ao ouvido.

- E certo, milorde - replicou o marquês rindo -, que só um inglês podia fazer-me uma proposta tão singular. Permita-me que a não rejeite nem acolha, vou refletir. Depois, antes de mais nada, deve ser submetida à minha esposa.

Nesse momento, Júlia voltou a sentar-se ao piano. Cantou a ária de Semíramis, Son regina, son guerriera. Aplausos unânimes, porém surdos, por assim dizer, aclamações polidas do bairro Saint-Germain testemunharam o entusiasmo que provocara.

Quando d’Aiglemont acompanhou a mulher à casa, Júlia viu com certo prazer o pronto êxito das suas tentativas. O marido, desperto pelo papel que ela acabava de representar, quis honrá-la com uma fantasia, como teria feito a uma atriz. Júlia achou divertido ser tratada assim, sendo virtuosa e casada; tentou brincar com seu poder, e nessa primeira luta a sua bondade fê-la sucumbir ainda uma vez; porém, recebeu a mais terrível das lições que lhe reservara o destino. Pelas duas ou três horas da manhã, estava sentada, sombria e pensativa, no leito conjugal; o quarto era iluminado por uma lâmpada que espalhava uma luz incerta; o silêncio era profundo; e havia uma hora que a marquesa chorava, entregue a cruéis remorsos. A amargura do seu pranto só pode ser compreendida pelas mulheres que se acharam em situação idêntica. Seria necessário possuir a alma de Júlia para sentir o horror de uma carícia calculada, para se julgar tão ofendida por um beijo frio; apostasia do coração, agravada ainda por uma dolorosa prostituição.





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