A Mulher de Trinta Anos - Cap. 2: Sofrimentos desconhecidos Pág. 82 / 205

Não conservaria em si um princípio de tristeza, de desconfiança, que arrebataria a suas emoções o frescor espontâneo, o enlevo, de vez que nada mais podia restituir-lhe a felicidade que esperara, que sonhara tão bela. As primeiras lágrimas verdadeiras apagavam esse fogo celeste que ilumina as primeiras comoções do coração; sofreria sempre por não ser o que poderia ter sido. Dessa crença devia emanar a amarga repugnância que leva a desviar a cabeça quando de novo o prazer se apresenta. Apreciava agora a vida como um velho prestes a deixá-la. Apesar de sentir-se jovem, o peso dos seus dias sem alegria caía-lhe n’alma, esmagava-a, envelhecia-a precocemente. Perguntava ao mundo, num grito de desespero, o que lhe daria em troca do amor que a ajudara a viver e estava perdido. Perguntava a si mesma se nos seus amores esvaecidos, tão castos, o pensamento não fora mais criminoso do que o ato.

Fazia-se culpada pelo gosto de insultar a sociedade e para se consolar de não ter tido com aquele que pranteava essa perfeita comunicação que, unindo duas almas, diminui a dor da que fica com a certeza de ter gozado plenamente a felicidade, de se ter entregue inteiramente, de conservar em si o cunho da que já não existe. Achava-se descontente como uma atriz que não interpretou bem o seu papel, porque essa dor atacava-lhe todas as fibras, o coração e a cabeça. Se a natureza se achava contrariada nos seus mais íntimos desejos, também a vaidade estava ferida, bem como a bondade que leva a mulher a sacrificar-se. Depois, levantando todas essas questões, todos os motores de diferentes existências que nos dão as naturezas social, moral e física, relatava tão bem as forças d’alma que, entre reflexões as mais contraditórias, nada podia compreender. Assim,





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