A Mulher de Trinta Anos - Cap. 2: Sofrimentos desconhecidos Pág. 87 / 205

Essa voz que ressoava tão docemente aos seus ouvidos perturbava- lhe a alma. Ah!, era bem a voz da desgraça essa voz plena, grave, e que parecia exalar penetrantes fluidos.

- Senhor - disse quase respeitosamente a marquesa -, se eu não morrer, que será de mim?

- Não tem uma filha?

- Tenho - respondeu Júlia com frieza.

O cura lançou-lhe um olhar semelhante ao do médico a um doente em perigo, e resolveu empregar todos os esforços para disputá-la ao gênio do mal que sobre ela já estendia a mão.

- Devemos viver com os nossos sofrimentos, senhora marquesa, e só a religião nos oferece verdadeiras consolações. Permitir-me-á que volte a fazer ouvir a voz de um homem que sabe simpatizar com todas as penas e que, parece-me, nada tem de assustador?

- Sim, volte. Agradeço-lhe ter pensado em mim.

- Então, senhora marquesa, até breve.

Essa visita aliviou um pouco a alma da marquesa, cujas forças tinham sido violentamente excitadas pelo sofrimento e pela solidão. O padre deixou-lhe no coração um balsâmico perfume e a salutar repercussão das palavras religiosas. Depois, experimentou essa espécie de satisfação que alegra o prisioneiro, quando, tendo reconhecido sua profunda solidão e o enorme peso das suas correntes, encontra um vizinho que bate no muro, fazendo-o produzir um som pelo qual se exprimem pensamentos comuns. Tinha um confidente inesperado. Mas, em breve, recaiu nas suas amargas contemplações e pensou, tal como o prisioneiro, que um companheiro de sofrimento não lhe aliviaria nem as correntes nem o futuro. O vigário não tinha querido amedrontar numa primeira visita uma dor tão egoísta; contava, porém, graças à sua arte, fazer progredir a religião numa segunda entrevista.

Daí a dois dias voltou, com efeito, e o acolhimento da marquesa provou-lhe que sua visita era desejada.





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