Dom Quixote de La Mancha – Livro Segundo - Cap. 26: CAPÍTULO XXVI - Onde continua a graciosa aventura do homem dos títeres, com outras coisas na verdade boníssimas. Pág. 216 / 593

— Ora essa! — exclamou o titereiro — e estas relíquias que estão espalhadas por esse duro e estéril solo, quem as espargiu e aniquilou senão a força invencível desse poderoso braço? e de quem eram os seus corpos, senão meus? e quem é que me dava de comer, se não eram eles?

— Agora acabo de crer — disse D. Quixote — que esses malditos nigromantes que me perseguem não fazem senão pôr-me diante dos olhos as figuras como elas são, e logo mas trocam e mudam nas que eles querem. Real e verdadeiramente vos digo, senhores que me ouvis, que me pareceu que tudo o que aqui se passou sucedia na verdade; que Melisendra era Melisendra; D. Gaifeiros, D. Gaifeiros; Marsílio, Marsílio; e Carlos Magno, Carlos Magno: por isso acendeu-se-me a cólera, e para cumprir o meu dever de cavaleiro andante, quis ajudar e favorecer os que fugiam, e com este bom propósito fiz o que vistes. Se me saiu tudo às avessas, a culpa não é minha, mas sim dos maus, que me perseguem, e contudo, por este meu erro, ainda que não procedesse da malícia, quero eu mesmo condenar-me nas custas: veja, mestre Pedro, o que quer pelas figuras escavacadas, que me ofereço a pagar-lho imediatamente em boa e corrente moeda castelhana.

Inclinou-se mestre Pedro, dizendo-lhe:

— Não esperava eu menos da inaudita cristandade do valoroso D. Quixote de la Mancha, verdadeiro amparo de todos os necessitados e vagabundos e aqui o senhor vendeiro, e o grande Sancho, serão medianeiros entre mim e Vossa Mercê, e apreciadores do que valem e podiam valer as escangalhadas figuras.

O vendeiro e Sancho acederam, e logo mestre Pedro levantou do chão o descabeçado Marsílio, rei de Saragoça.

— Vê-se bem que é impossível fazer voltar este rei ao seu primeiro ser; e assim, parece-me, salvo melhor juízo, que se me deem por sua morte, fim e acabamento, quatro reais e meio.





Os capítulos deste livro

SEGUNDA PARTE / CAPÍTULO I - Do que passaram o cura e o barbeiro com D. Quixote acerca da sua enfermidade. 1 CAPÍTULO II - Que trata da notável pendência, que Sancho Pança teve com a sobrinha e ama de D. Quixote, e de outros sucessos graciosos. 14 CAPÍTULO III - Do divertido arrazoamento que houve entre D. Quixote, Sancho Pança e o bacharel Sansão Carrasco. 20 CAPÍTULO IV - Em que Sancho Pança satisfaz ao bacharel Carrasco, acerca das suas dúvidas e perguntas, com outros sucessos dignos de se saber e de se contar. 29 CAPÍTULO V - Da discreta e graciosa prática que houve entre Sancho Pança e sua mulher Teresa Pança, e outros sucessos dignos de feliz recordação. 35 CAPÍTULO VI -Do que passou D. Quixote com a sua sobrinha e a sua ama, capítulo dos mais importantes desta história toda. 42 CAPÍTULO VII - Do que passou D. Quixote com o seu escudeiro, e outros sucessos famosíssimos. 48 CAPÍTULO VIII - Onde se conta o que sucedeu a D. Quixote, indo ver a sua dama Dulcineia del Toboso. 56 CAPÍTULO IX - Onde se conta o que nele se verá. 64 CAPÍTULO X - Onde se conta a indústria que Sancho teve para encantar a senhora Dulcineia, e outros sucessos tão ridículos como verdadeiros. 68 CAPÍTULO XI - Da estranha aventura que sucedeu a D. Quixote com o carro ou carreta das cortes da morte. 78 CAPÍTULO XII - Da estranha aventura que sucedeu a D. Quixote com o bravo cavaleiro dos espelhos. 85 CAPÍTULO XIII - Onde prossegue a aventura do cavaleiro da Selva, com o discreto, novo e suave colóquio que houve entre os dois escudeiros. 92 CAPÍTULO XIV - Onde prossegue a aventura do cavaleiro da Selva. 99 CAPÍTULO XV - Onde se conta e dá notícia de quem era o cavaleiro dos Espelhos e o seu escudeiro. 112 CAPÍTULO XVI - Do que sucedeu a D. Quixote com um discreto cavaleiro da Mancha. 115 CAPÍTULO XVII - Onde se declara o último ponto a que chegou e podia chegar o inaudito ânimo de D. Quixote, com a aventura dos leões, tão felizmente acabada. 126 CAPÍTULO XVIII - Do que sucedeu a D. Quixote no castelo ou casa do cavaleiro do Verde Gabão, com outras coisas extravagantes. 137 CAPÍTULO XIX - Onde se conta a aventura do pastor enamorado, com outros sucessos na verdade graciosos. 146 CAPÍTULO XX - Onde se contam as bodas de Camacho, o rico, e o sucesso de Basílio, o pobre. 154 CAPÍTULO XXI - Em que prosseguem as bodas de Camacho, com outros saborosos sucessos. 164 CAPÍTULO XXII - Onde se dá conta da grande aventura da cova de Montesinos, que está no coração da Mancha, e a que pôs feliz termo o valoroso D. Quixote. 171 CAPÍTULO XXIII - Das admiráveis coisas que o extremado D. Quixote contou que vira na profunda cova de Montesinos, coisas que, pela impossibilidade e grandeza, fazem que se considere apócrifa esta aventura. 180 CAPÍTULO XXIV - Onde se contam mil trapalhadas, tão impertinentes como necessárias ao verdadeiro entendimento desta grande história. 192 CAPÍTULO - XXV Onde se conta a aventura dos zurros, e o gracioso caso do homem dos títeres, com as memoráveis adivinhações do macaco. 199 CAPÍTULO XXVI - Onde continua a graciosa aventura do homem dos títeres, com outras coisas na verdade boníssimas. 210 CAPÍTULO XXVII - Onde se dá conta de quem eram mestre Pedro e o seu macaco, e também do mau resultado que tirou D. Quixote da aventura do zurro, a que não pôs o termo que desejava e pensava. 219 CAPÍTULO XXVIII - Das coisas que diz Benengeli, que saberá quem as ler, se as ler com atenção. 227 CAPÍTULO XXIX - Da famosa aventura do barco encantado. 233 CAPÍTULO XXX - Do que sucedeu a D. Quixote com uma bela caçadora. 241 CAPÍTULO XXXI - Que trata de muitas e grandes coisas. 247 CAPÍTULO XXXII - Da resposta que deu D. Quixote ao seu repreensor, com outros graves e graciosos sucessos. 256 CAPÍTULO XXXIII - Da saborosa prática que a duquesa e as suas donzelas tiveram com Sancho Pança, digna de que se leia e que se note. 271 CAPÍTULO XXXIV - Que dá conta da notícia que se teve de como se havia de desencantar a incomparável Dulcineia del Toboso, que é uma das aventuras mais famosas deste livro. 279 CAPÍTULO XXXV - Onde prossegue a notícia que teve D. Quixote, do desencantamento de Dulcineia, com outros admiráveis sucessos. 287 CAPÍTULO XXXVI - Onde se conta a estranha e nunca imaginada aventura de Dona Dolorida, aliás da condessa Trifaldi, com uma carta que Sancho Pança escreveu a sua mulher Teresa Pança. 295 CAPÍTULO XXXVII - Onde prossegue a famosa aventura da Dona Dolorida. 302 CAPÍTULO XXXVIII - Onde se conta o que disse das suas desventuras a Dona Dolorida. 305 CAPÍTULO XXXIX - Onde a Trifaldi prossegue na sua estupenda e memorável história. 312 CAPÍTULO XL - Das coisas que dizem respeito a esta aventura e a esta memorável história. 315 CAPÍTULO XLI - Da vinda de Clavilenho, com o fim desta dilatada aventura. 322 CAPÍTULO XLII - Dos conselhos que deu D. Quixote a Sancho Pança, antes de ele ir governar a ilha, com outras coisas bem consideradas. 333 CAPÍTULO XLIII - Dos segundos conselhos que deu D. Quixote a Sancho Pança. 339 CAPÍTULO XLIV - De como Sancho Pança foi levado para o governo, e da estranha aventura que sucedeu no castelo a D. Quixote. 345 CAPÍTULO XLV - De como Sancho Pança tomou posse da sua ilha, e do modo como principiou a governá-la. 355 CAPÍTULO XLVI - Da temerosa chuva de gatos barulhentos que recebeu D. Quixote, no decurso dos amores da enamorada Altisidora. 363 CAPÍTULO XLVII - Onde prossegue a narração do modo como se portava Sancho Pança no seu governo. 368 CAPÍTULO XLVIII - Do que sucedeu a D. Quixote com Dona Rodríguez, a dona da duquesa, com outros acontecimentos dignos de escritura e memória eterna. 378 CAPÍTULO XLIX - Do que sucedeu a Sancho Pança quando rondava a ilha. 387 CAPÍTULO L - Onde se declara quem foram os nigromantes e verdugos que açoitaram a dona, beliscaram e arranharam D. Quixote, com o sucesso que teve o pajem que levou a carta a Teresa Pança, mulher de Sancho Pança. 400 CAPÍTULO LI - Do progresso do governo de Sancho Pança, com outros sucessos curiosos. 410 CAPÍTULO LII - Onde se conta a aventura da segunda Dona Dolorida ou Angustiada, chamada por outro nome Dona Rodríguez. 419 CAPÍTULO LIII - Do cansado termo e remate que teve o governo de Sancho. 427 CAPÍTULO LIV - Que trata de coisas tocantes a esta história, e a nenhuma outra. 434 CAPÍTULO LV - De coisas sucedidas a Sancho, e outras que não há mais que ver. 443 CAPÍTULO LVI - Da descomunal e nunca vista batalha que houve entre D. Quixote de la Mancha e o lacaio Tosilos, em defesa da filha da dona da duquesa, Dona Rodríguez. 451 CAPÍTULO LVII - Que trata de como D. Quixote se despediu do duque, e do que sucedeu com a discreta e desenvolta Altisidora, donzela da duquesa. 457 CAPÍTULO LVIII - Que trata de como choveram em cima de D. Quixote tantas aventuras, que não tinha vagar para todas. 461 CAPÍTULO LIX - Onde se conta o extraordinário caso, que se pode chamar aventura, que aconteceu a D. Quixote. 474 CAPÍTULO LX - Do que sucedeu a D. Quixote no caminho de Barcelona. 483 CAPÍTULO LXI - Do que sucedeu a D. Quixote na entrada de Barcelona, com outras coisas que têm mais de verdadeiras que de discretas. 497 CAPÍTULO LXII - Que trata da aventura da cabeça encantada, com outras ninharias que não podem deixar de se contar. 501 CAPÍTULO LXIII - De como Sancho Pança se deu mal com a visita às galés e da nova aventura da formosa mourisca. 514 CAPÍTULO LXIV - Que trata da aventura que mais afligiu D. Quixote de todas quantas até então lhe tinham acontecido. 525 CAPÍTULO LXV - Em que se dá notícia de quem era o cavaleiro da Branca Lua, com a liberdade de D. Gregório e outros sucessos. 530 CAPÍTULO LXVI - Que trata do que verá quem o ler, ou do que ouvirá quem o ouvir ler. 536 CAPÍTULO LXVII - Da resolução que tomou D. Quixote de se fazer pastor e seguir a vida do campo, durante o ano da sua promessa, com outros sucessos, na verdade gostosos e bons. 542 CAPÍTULO LXVIII - Da aventura suína que aconteceu a D. Quixote. 548 CAPÍTULO LXIX - Do mais raro e mais novo sucesso, que em todo o decurso desta grande história aconteceu a D. Quixote. 554 CAPÍTULO LXX - Que se segue ao sessenta e nove e trata de coisas que não são escusadas para a clareza desta história. 560 CAPÍTULO LXXI - Do que sucedeu a D. Quixote com o seu escudeiro Sancho, quando ia para a sua aldeia. 568 CAPÍTULO LXXII - De como D. Quixote e Sancho chegaram à sua aldeia. 574 CAPÍTULO LXXIII - Dos agouros que teve D. Quixote ao entrar na sua aldeia, com outros sucessos que são adorno e crédito desta grande história. 580 CAPÍTULO LXXIV - De como D. Quixote adoeceu, e do testamento que fez, e da sua morte. 586