Nisto cerrou-se mais a noite e principiaram a correr pelo bosque muitas luzes, como correm pelo céu as exalações da terra, que parecem à nossa vista estrelas cadentes. Ouviu-se logo também um espantoso ruído, como aquele que produzem as rodas maciças dos carros de bois, de cujo chiar áspero e continuado se diz que fogem os lobos e os ursos, se os há nos sítios por onde passam.
Acrescentou-se a toda esta tempestade outra muito maior, e foi o parecer verdadeiramente que nos quatro cantos do bosque se estavam dando ao mesmo tempo quatro recontros ou batalhas, porque ali soava o duro estrondo de espantosa artilharia; acolá, disparavam-se infinitas escopetas; mais perto, soavam as vozes dos combatentes; ao longe, reiteravam-se os clamores agarenos; finalmente, as cornetas, as trompas, as buzinas, os clarins, as trombetas, os tambores, a artilharia, os arcabuzes, e, sobretudo, o temeroso ruído dos carros, formavam, no seu conjunto, um som tão confuso e tão horrendo, que foi mister que D. Quixote se valesse de todo o seu ânimo; mas o de Sancho é que se desfez, e deu com ele desmaiado nas saias da duquesa, a qual o recebeu, e com grande pressa mandou que lhe deitassem água no rosto. Assim se fez, e tornou Sancho a si, exatamente quando chegava àquele sítio um dos carros das chiadoras rodas. Puxavam-no quatro preguiçosos bois, todos cobertos de paramentos negros: em cada chifre traziam amarrado e aceso um grande círio, e em cima do carro, num alto assento, vinha um venerável velho, com a barba mais branca do que a branca neve, e tão comprida, que lhe passava para baixo da cintura; a sua vestimenta era uma roupa larga de negro bocaxim, e via-se perfeitamente tudo o que vinha no carro, por causa das infinitas luzes que o alumiavam.