Dom Quixote de La Mancha – Livro Segundo - Cap. 48: CAPÍTULO XLVIII - Do que sucedeu a D. Quixote com Dona Rodríguez, a dona da duquesa, com outros acontecimentos dignos de escritura e memória eterna. Pág. 385 / 593

Quereria, pois, senhor meu, que Vossa Mercê se encarregasse de desfazer este agravo, ou com rogos, ou com armas; pois, segundo todos dizem, Vossa Mercê nasceu para desfazer agravos e amparar os míseros; e represente-lhe Vossa Mercê a orfandade da minha filha, a sua mocidade e gentileza, com as prendas que eu já disse que tem, que entendo em minha consciência que de todas as donzelas da senhora duquesa, não há nenhuma que lhe chegue às solas dos sapatos, e uma a quem chamam Altisidora, que é a que passa por mais desenvolta e galharda, não é nada em comparação da minha; porque há-de saber Vossa Mercê que nem tudo o que luz é ouro; essa Altisidorita tem mais de presumida que de formosa, e tem então um mau hálito que se não pode parar ao pé dela; e até a duquesa, minha senhora... cala-te, boca, que se costuma dizer que as paredes têm ouvidos.

— Por vida minha, o que é que tem a duquesa minha senhora? — perguntou D. Quixote.

— Pedindo-me pela sua vida que lho diga, senhor D. Quixote, não posso deixar de responder com toda a verdade. Vê Vossa Mercê a formosura da senhora duquesa, aquela tez do rosto, que lembra uma espada açacalada e tersa; aquelas duas faces de leite e de carmim, que parece que numa tem o sol e noutra a lua; aquela galhardia com que pisa e como que despreza o chão, que se diria que vai derramando saúde por onde passa? Pois saiba Vossa Mercê que o pode ela agradecer primeiro a Deus e, depois, a duas fontes que tem nas pernas, por onde se despeja todo o mau humor, de que dizem os médicos que está cheia.

— Santa Maria! — acudiu D. Quixote — é possível que a senhora duquesa tenha tais desaguadouros? Não o acreditava, nem que mo dissessem frades descalços; porém, de tais fontes, e em tais sítios, não deve manar humor, mas sim âmbar líquido.





Os capítulos deste livro

SEGUNDA PARTE / CAPÍTULO I - Do que passaram o cura e o barbeiro com D. Quixote acerca da sua enfermidade. 1 CAPÍTULO II - Que trata da notável pendência, que Sancho Pança teve com a sobrinha e ama de D. Quixote, e de outros sucessos graciosos. 14 CAPÍTULO III - Do divertido arrazoamento que houve entre D. Quixote, Sancho Pança e o bacharel Sansão Carrasco. 20 CAPÍTULO IV - Em que Sancho Pança satisfaz ao bacharel Carrasco, acerca das suas dúvidas e perguntas, com outros sucessos dignos de se saber e de se contar. 29 CAPÍTULO V - Da discreta e graciosa prática que houve entre Sancho Pança e sua mulher Teresa Pança, e outros sucessos dignos de feliz recordação. 35 CAPÍTULO VI -Do que passou D. Quixote com a sua sobrinha e a sua ama, capítulo dos mais importantes desta história toda. 42 CAPÍTULO VII - Do que passou D. Quixote com o seu escudeiro, e outros sucessos famosíssimos. 48 CAPÍTULO VIII - Onde se conta o que sucedeu a D. Quixote, indo ver a sua dama Dulcineia del Toboso. 56 CAPÍTULO IX - Onde se conta o que nele se verá. 64 CAPÍTULO X - Onde se conta a indústria que Sancho teve para encantar a senhora Dulcineia, e outros sucessos tão ridículos como verdadeiros. 68 CAPÍTULO XI - Da estranha aventura que sucedeu a D. Quixote com o carro ou carreta das cortes da morte. 78 CAPÍTULO XII - Da estranha aventura que sucedeu a D. Quixote com o bravo cavaleiro dos espelhos. 85 CAPÍTULO XIII - Onde prossegue a aventura do cavaleiro da Selva, com o discreto, novo e suave colóquio que houve entre os dois escudeiros. 92 CAPÍTULO XIV - Onde prossegue a aventura do cavaleiro da Selva. 99 CAPÍTULO XV - Onde se conta e dá notícia de quem era o cavaleiro dos Espelhos e o seu escudeiro. 112 CAPÍTULO XVI - Do que sucedeu a D. Quixote com um discreto cavaleiro da Mancha. 115 CAPÍTULO XVII - Onde se declara o último ponto a que chegou e podia chegar o inaudito ânimo de D. Quixote, com a aventura dos leões, tão felizmente acabada. 126 CAPÍTULO XVIII - Do que sucedeu a D. Quixote no castelo ou casa do cavaleiro do Verde Gabão, com outras coisas extravagantes. 137 CAPÍTULO XIX - Onde se conta a aventura do pastor enamorado, com outros sucessos na verdade graciosos. 146 CAPÍTULO XX - Onde se contam as bodas de Camacho, o rico, e o sucesso de Basílio, o pobre. 154 CAPÍTULO XXI - Em que prosseguem as bodas de Camacho, com outros saborosos sucessos. 164 CAPÍTULO XXII - Onde se dá conta da grande aventura da cova de Montesinos, que está no coração da Mancha, e a que pôs feliz termo o valoroso D. Quixote. 171 CAPÍTULO XXIII - Das admiráveis coisas que o extremado D. Quixote contou que vira na profunda cova de Montesinos, coisas que, pela impossibilidade e grandeza, fazem que se considere apócrifa esta aventura. 180 CAPÍTULO XXIV - Onde se contam mil trapalhadas, tão impertinentes como necessárias ao verdadeiro entendimento desta grande história. 192 CAPÍTULO - XXV Onde se conta a aventura dos zurros, e o gracioso caso do homem dos títeres, com as memoráveis adivinhações do macaco. 199 CAPÍTULO XXVI - Onde continua a graciosa aventura do homem dos títeres, com outras coisas na verdade boníssimas. 210 CAPÍTULO XXVII - Onde se dá conta de quem eram mestre Pedro e o seu macaco, e também do mau resultado que tirou D. Quixote da aventura do zurro, a que não pôs o termo que desejava e pensava. 219 CAPÍTULO XXVIII - Das coisas que diz Benengeli, que saberá quem as ler, se as ler com atenção. 227 CAPÍTULO XXIX - Da famosa aventura do barco encantado. 233 CAPÍTULO XXX - Do que sucedeu a D. Quixote com uma bela caçadora. 241 CAPÍTULO XXXI - Que trata de muitas e grandes coisas. 247 CAPÍTULO XXXII - Da resposta que deu D. Quixote ao seu repreensor, com outros graves e graciosos sucessos. 256 CAPÍTULO XXXIII - Da saborosa prática que a duquesa e as suas donzelas tiveram com Sancho Pança, digna de que se leia e que se note. 271 CAPÍTULO XXXIV - Que dá conta da notícia que se teve de como se havia de desencantar a incomparável Dulcineia del Toboso, que é uma das aventuras mais famosas deste livro. 279 CAPÍTULO XXXV - Onde prossegue a notícia que teve D. Quixote, do desencantamento de Dulcineia, com outros admiráveis sucessos. 287 CAPÍTULO XXXVI - Onde se conta a estranha e nunca imaginada aventura de Dona Dolorida, aliás da condessa Trifaldi, com uma carta que Sancho Pança escreveu a sua mulher Teresa Pança. 295 CAPÍTULO XXXVII - Onde prossegue a famosa aventura da Dona Dolorida. 302 CAPÍTULO XXXVIII - Onde se conta o que disse das suas desventuras a Dona Dolorida. 305 CAPÍTULO XXXIX - Onde a Trifaldi prossegue na sua estupenda e memorável história. 312 CAPÍTULO XL - Das coisas que dizem respeito a esta aventura e a esta memorável história. 315 CAPÍTULO XLI - Da vinda de Clavilenho, com o fim desta dilatada aventura. 322 CAPÍTULO XLII - Dos conselhos que deu D. Quixote a Sancho Pança, antes de ele ir governar a ilha, com outras coisas bem consideradas. 333 CAPÍTULO XLIII - Dos segundos conselhos que deu D. Quixote a Sancho Pança. 339 CAPÍTULO XLIV - De como Sancho Pança foi levado para o governo, e da estranha aventura que sucedeu no castelo a D. Quixote. 345 CAPÍTULO XLV - De como Sancho Pança tomou posse da sua ilha, e do modo como principiou a governá-la. 355 CAPÍTULO XLVI - Da temerosa chuva de gatos barulhentos que recebeu D. Quixote, no decurso dos amores da enamorada Altisidora. 363 CAPÍTULO XLVII - Onde prossegue a narração do modo como se portava Sancho Pança no seu governo. 368 CAPÍTULO XLVIII - Do que sucedeu a D. Quixote com Dona Rodríguez, a dona da duquesa, com outros acontecimentos dignos de escritura e memória eterna. 378 CAPÍTULO XLIX - Do que sucedeu a Sancho Pança quando rondava a ilha. 387 CAPÍTULO L - Onde se declara quem foram os nigromantes e verdugos que açoitaram a dona, beliscaram e arranharam D. Quixote, com o sucesso que teve o pajem que levou a carta a Teresa Pança, mulher de Sancho Pança. 400 CAPÍTULO LI - Do progresso do governo de Sancho Pança, com outros sucessos curiosos. 410 CAPÍTULO LII - Onde se conta a aventura da segunda Dona Dolorida ou Angustiada, chamada por outro nome Dona Rodríguez. 419 CAPÍTULO LIII - Do cansado termo e remate que teve o governo de Sancho. 427 CAPÍTULO LIV - Que trata de coisas tocantes a esta história, e a nenhuma outra. 434 CAPÍTULO LV - De coisas sucedidas a Sancho, e outras que não há mais que ver. 443 CAPÍTULO LVI - Da descomunal e nunca vista batalha que houve entre D. Quixote de la Mancha e o lacaio Tosilos, em defesa da filha da dona da duquesa, Dona Rodríguez. 451 CAPÍTULO LVII - Que trata de como D. Quixote se despediu do duque, e do que sucedeu com a discreta e desenvolta Altisidora, donzela da duquesa. 457 CAPÍTULO LVIII - Que trata de como choveram em cima de D. Quixote tantas aventuras, que não tinha vagar para todas. 461 CAPÍTULO LIX - Onde se conta o extraordinário caso, que se pode chamar aventura, que aconteceu a D. Quixote. 474 CAPÍTULO LX - Do que sucedeu a D. Quixote no caminho de Barcelona. 483 CAPÍTULO LXI - Do que sucedeu a D. Quixote na entrada de Barcelona, com outras coisas que têm mais de verdadeiras que de discretas. 497 CAPÍTULO LXII - Que trata da aventura da cabeça encantada, com outras ninharias que não podem deixar de se contar. 501 CAPÍTULO LXIII - De como Sancho Pança se deu mal com a visita às galés e da nova aventura da formosa mourisca. 514 CAPÍTULO LXIV - Que trata da aventura que mais afligiu D. Quixote de todas quantas até então lhe tinham acontecido. 525 CAPÍTULO LXV - Em que se dá notícia de quem era o cavaleiro da Branca Lua, com a liberdade de D. Gregório e outros sucessos. 530 CAPÍTULO LXVI - Que trata do que verá quem o ler, ou do que ouvirá quem o ouvir ler. 536 CAPÍTULO LXVII - Da resolução que tomou D. Quixote de se fazer pastor e seguir a vida do campo, durante o ano da sua promessa, com outros sucessos, na verdade gostosos e bons. 542 CAPÍTULO LXVIII - Da aventura suína que aconteceu a D. Quixote. 548 CAPÍTULO LXIX - Do mais raro e mais novo sucesso, que em todo o decurso desta grande história aconteceu a D. Quixote. 554 CAPÍTULO LXX - Que se segue ao sessenta e nove e trata de coisas que não são escusadas para a clareza desta história. 560 CAPÍTULO LXXI - Do que sucedeu a D. Quixote com o seu escudeiro Sancho, quando ia para a sua aldeia. 568 CAPÍTULO LXXII - De como D. Quixote e Sancho chegaram à sua aldeia. 574 CAPÍTULO LXXIII - Dos agouros que teve D. Quixote ao entrar na sua aldeia, com outros sucessos que são adorno e crédito desta grande história. 580 CAPÍTULO LXXIV - De como D. Quixote adoeceu, e do testamento que fez, e da sua morte. 586