A Utopia - Cap. 2: Capítulo 2 Pág. 13 / 133

cuja ocupação predominante é o comércio, por terra e por mar, não só no interior como entre os povos vizinhos e mesmo com nações longínquas.

Aí, continuou Rafael, tive oportunidade de viajar para muitos países, pois em todos os navios éramos bem recebidos, qualquer que fosse o seu destino. As primeiras embarcações que encontrámos eram rudes, chatas e largas. As velas eram formadas por vimes ou juncos entrançados, e algumas por pedaços de couro.

Encontrámos em seguida barcos pontiagudos e com velas de cânhamo e finalmente embarcações em tudo semelhantes às nossas. Os marinheiros eram hábeis e bons conhecedores do mar e do tempo. O seu desconhecimento da bússola levou Rafael a cair, nas suas boas graças, ao ensinar-lhes o uso deste instrumento. Se, até aí, só se aventuravam no mar em tempo de cal- maria, e cheios de receio e temor, passaram a ter tal confiança neste instrumento que já nem as tempestades receiam e navegam, por vezes, mais confiantes que seguros. É pois de recear que, por causa da sua louca ousadia, esta invenção, a princípio benéfica e cómoda, lhes venha a ser causa de tragédias e desgraças.

Levaria muito tempo a contar tudo o que Rafael viu nos mui- tos países que visitou e não é esse o propósito desta obra. Tratarei disso noutro livro, particularmente dos pormenores cujo conhecimento nos poderá ser 'útil, em especial os decretos e leis cuja justiça e inteligência Rafael teve ocasião de observar, leis que governam em boa ordem e civismo os povos que a elas obedecem. Perguntámos-lhe inúmeras coisas acerca destas questões, e de bom grado ele a todas respondeu. Não o interrogámos, porém, sobre monstros famosos, como os Citas ladradores, os rapaces Celenes e os antropófagos Lestrigões pois esses não são já raridade





Os capítulos deste livro